A prova do Crato.
Confesso que inicialmente vi com bons olhos a escolha de Nuno Crato para Ministro da Educação. Era um crítico do tradicional eduquês que tem vindo a destruir o nosso sistema de ensino, pelo que admiti que pudesse instituir um modelo de ensino em que os cidadãos pudessem confiar os seus filhos à escola pública. Infelizmente, no entanto, o seu mandato tem-se revelado um desastre total. Começou logo pessimamente com a retirada aos alunos de um prémio que lhes sido atribuído, a 48 horas da cerimónia de entrega, dando a esses alunos um excelente exemplo do Estado como respeitador dos seus compromissos, conforme tive oportunidade de criticar aqui.
Depois aproveitou para criar mais um instituto público completamente inútil, o IAVE - Instituto da Avaliação Educativa, I.P., que resultou da transformação do Gabinete da Avaliação Educativa do seu Ministério, demonstrando como na nossa administração pública os institutos públicos crescem como cogumelos. Não é por isso de estranhar que o défice das contas públicas continue incontrolável.
Segundo este elucidativo site "o IAVE, I.P., sucedeu nas atribuições do Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), em 2013. Sucedeu igualmente nas competências do Grupo de projeto para acompanhamento da avaliação internacional de alunos, designado por ProjAVI. Tem por missão o planeamento, a conceção e validação dos instrumentos de avaliação externa de conhecimentos e capacidades dos alunos dos ensinos básico e secundário, o tratamento e a divulgação de informação relevante para a tomada de decisões que concorram para incrementar a qualidade, eficácia e eficiência do sistema educativo nacional, assegurar a coordenação da participação nacional em estudos internacionais de avaliação externa de alunos, bem como a elaboração de provas de certificação de conhecimentos e capacidades específicas para outros fins e outros graus de ensino, quando solicitado. Pode recorrer aos demais serviços e organismos do Ministério da Educação e Ciência (MEC), mediante solicitação enviada ao respetivo dirigente máximo, nas matérias necessárias ao desempenho das suas atribuições, devendo estes prestar a colaboração solicitada. Os serviços competentes do MEC disponibilizam ao IAVE, I.P., a informação relativa aos resultados de avaliação externa, produzida e gerida pelos respetivos serviços e organismos, após a sua divulgação pública. O IAVE, I.P., deve promover a cooperação com outras instituições públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, nacionais ou estrangeiras, designadamente, nos domínios da construção de instrumentos de avaliação, da análise dos resultados da avaliação externa e da investigação". De todo estre arrazoado resulta apenas uma conclusão. Para que serve este IAVE provavelmente só Iavé (Deus) sabe. Não admira, por isso, que se tenha feito um recrutamento por e-mail em ordem a constituir o Conselho Directivo deste instituto público.
Mas o IAVE já conseguiu produzir um resultado extraordinário. Elaborou uma absurda prova de avaliação a que os professores sem vínculo à função pública vão ter que se sujeitar, depois de pagarem a módica quantia de 20 euros, que provavelmente se destina a financiar este instituto inútil. Esta prova é um exemplo altamente demonstrativo de como o facilitismo e a burocracia continuam a proliferar no Ministério da Educação. Professores licenciados são sujeitos a um exame disparatado com perguntas de escolha múltipla, onde se avalia a aritmética, a ortografia e a sintaxe, aproveitando de caminho para os obrigar a seguir o horrível acordo ortográfico. Quando li este exame, lembrei-me de ter sido em tempos sujeito a um exame semelhante, só que mais difícil, porque tinha perguntas de escolha única e não de escolha múltipla. Chamava-se exame da quarta classe.
Se houvesse alguém com sentido prático à frente do Ministério da Educação não tinha criado um instituto público inútil, nem dado esta imagem de descalabro educativo, impondo a professores uma prova que nem aos alunos devia ser proposta. Não se encontrará no país ninguém que leve a educação a sério? Talvez se pudesse abrir também um recrutamento por e-mail.
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10 comentários
De CR a 22.11.2013 às 12:40
Para ser professor universitário, apesar de doutorado, é necessário prestar provas teóricas e práticas. E para subir na carreira tem de prestar provas públicas de Agregação que é coisa bem difícil, com uma dissertação a ser defendida durante dois dias seguidos, perante um júri.
Também para ser médico no SNS é necessário prestar provas teóricas e práticas. Mesmo sendo um especialista, com 12 anos de formação superior e sucessivos estágios.
Será que os candidatos a professores primários e secundários são filhos de um Deus maior, uma espécie de iluminados que não precisam de provas para acesso à profissão e, ainda por cima, ficaram a receber um salário bastante acima do que auferem os outros licenciados do Regime Geral da FUnção Pública?
De Luís Lucas a 29.11.2013 às 17:24
De Alt a 29.11.2013 às 18:53
E não me venha falar da dificuldade de agregação. Sou doutorado e com agregação, embora actualmente apenas como investigador e a agregação não é nada difícil. Isso é um péssimo exemplo e 2 dias para apresentar uma unidade curricular e demonstrar currículo...
Mas podemos ir por ai. Porque razão não se fazem provas ao estilo da agregação para estes professores? Seria muito melhor do que uma prova ridícula em todos os aspectos, sem fundamento ético em termos profissionais e, diria mais, subversiva na questão do pagamento de 20 euros para a sua inscrição. Seria, aliás, idêntico ao que fazem no Estágio.
Por último, não se trata de candidatos meu caro colega doutorado.
Já estão no ensino há vários anos, já formaram alunos, já foram avaliados, já têm muitos anos experiência. A sua argumentação denota ignorância e mistura a essência do acesso à profissão com a realização de uma prova descabida no momento actual da carreira destes professores
De José Lopes a 29.11.2013 às 19:01
Acontece que não conheço nenhum médico especialista que vá fazer exame à especialidade com efeitos retroativos, depois de exercer a especialidade durante dezenas de anos.E nenhum advogado que faça o mesmo.
Para não falar de professores que foram sujeitos e avaliação de desempenho (incluindo observação de aulas) e classificados de Regular a Excelente (sei de casos/exemplos para qualquer menção).
Um professor com décadas de ensino, observado em contexto sala de aula, anualmente, classificado sucessivamente com Bom, Muito Bom ou Excelente, precisa de ser testado com uma pergunta de escolha múltipla para acesso, digo acesso, não progressão, a uma profissão que sempre desempenhou com êxito?
De jo a 29.11.2013 às 19:26
As provas de acesso aos funcionários públicos servem para selecionar os que vão aceder. Estas provas não substituem os concursos.
Se conseguir explicar em que medida a resolução da prova apresentada em concreto neste caso pelo ministério garante que alguém é um professor capaz, gostaria de ver essa explicação.
De Vasco Oliveira a 29.11.2013 às 20:18
Os professores, como licenciados, além do seu curso superior, têm de realizar o estágio profissional. Depois no primeiro ano de exercício são sujeitos ao período probatório. A sua avaliação é assente em relatórios sujeitos a uma avaliação dos coordenadores e da direção do estabelecimento educativo. Além disso, são também sujeitos a aulas assistidas pelos seus coordenadores ou entidades externas. Os seus resultados são alvo de análise, nomeadamente quando os seus alunos são sujeitos a exames nacionais.
O que está em causa não é a realização de um exame para a entrada na carreira, pois essa hipótese nem se coloca, uma vez que, ao contrário das outras profissões, os professores são sujeitos a décadas de contratos a termo. O que está em causa efectivamente é a exigência de realização de uma prova para aceder à possibilidade de concorrer no próximo concurso público para uma vaga como contratado. Não é para entrar em carreira nenhuma, mas apenas para aceder ao concurso público. Como se não bastasse ainda são obrigados a pagar essa prova. Isto é único no mundo, uma terrível desigualdade em relação aos filhos de um Deus maior.
Tenha vergonha e já agora vá estudar!
De MariadaFonte a 29.11.2013 às 21:09
- estágio integrado (até 2006 os professores do 3.º ciclo e secundário assumiam a titularidade de turmas);
- avaliação anual, sujeitos a observação de aulas e acompanhamento dos pares caso queiram aceder às menções de Mto Bom ou Excelente;
- formação contínua com um mínimo de 50h na área da sua didática específica.
Muitos, mesmo muito, investiram em pós-graduações, mestrados e doutoramentos.
Atualmente, os professores mais jovens (contratados ou não) são dos funcionários públicos com mais habilitações! São, porventura, dos profissionais melhor qualificados que o país formou. Orgulho-me disso, da aplicação dessa fatia dos meus impostos. Mas tenho vergonha que os professores do passado não tenham formado gente capaz, gente com caráter, honesta, solidária, trabalhadora, humilde, com ética...
De miguel a 29.11.2013 às 21:52
Haja Paciência! É só carneirinhos dos média! Arre!
De RL a 30.11.2013 às 00:35
A minha licenciatura consistiu em cinco anos de trabalho avaliado continuamente com exames. O meu estágio NÃO REMUNERADO, SEM contagem de tempo de serviço, PAGO com as minhas propinas, foi AVALIADO.
Se os candidatos a uma colocação como professores são filhos de um Deus maior ou menor não sei, pois não sei se tal ser existe.
Se somos uma espécie de iluminados que não precisam de provas para acesso à profissão e, ainda por cima, recebem um salário bastante acima do que auferem os outros licenciados do Regime Geral da Função Pública, sei que não é o caso.
Prestei provas para ser Professor e em todos os anos em que trabalhei como contratado a tapar buracos nas escolas, nunca tendo horário completo, nunca recebi salário que atingisse os 1000 euros.
Apenas quero trabalhar honestamente, fazer o bem e viver a minha vida com um mínimo de qualidade.
De MM a 20.12.2013 às 14:28
Independentemente da razão que possa assistir a ambos os lados, há algo que é inaceitável. Em Democracia, o recurso à violência e falta de respeito pelos direitos dos outros não é aceitável! Pior, determina a "perda de razão" que quem protesta eventualmente possa ter.
Os indivíduos que se dizem "professores" e que tem comportamentos animalescos, piores do que aqueles que alguns alunos em escolas problemáticas manifestam, não são de fato "professores". Se a sua capacidade de argumentação é partir vidros, fazer barulho, arruaça e impedir que os outros colegas façam a prova, espero que nunca sejam professores dos meus filhos!
Se são tão competentes quanto dizem, porque tem um diploma universitário (se calhar igual ao do Sr. Sócrates ou Relvas?), ou se foram para o ensino porque não conseguiram emprego em mais nenhum lado, tal era a excelência da sua formação académica, porque tem "medo" de ser avaliados?
É triste que a comunicação social, em jeito tele-novelesco, apenas passe os desordeiros. Esta junta-se a esses indivíduos, que não sabem o que é cidadania e os princípios básicos de educação e respeito pelo próximo, a dar um péssimo exemplo da classe a que dizem pertencer. Como é que esses indivíduos, na sala de aula, resolvem o problema de indisciplina dos alunos, se estes se recusarem a ser avaliados? É com o exemplo que deram?
Estes sujeitos não são exemplos de uma classe que Ensina e também Educa!...
(Já agora, relembro a prova de acesso à advocacia imposta pela OA, ou as provas de especialidade pela OM; ou... E se toda a gente se recusasse a ter as suas competências profissionais certificadas por outra avaliação/estágio, etc... porque teve um diploma obtido em algum sitio?
Eu também sou Professor (Universitário). Conheço o meio secundário e universitário (fiz todas as provas necessárias para evoluir na carreira docente). Sou avaliado todos os dias, pelos alunos, pelos meus pares quando publico um artigo cientifico ou um livro, pela Agência de Acreditação do Ensino Superior (neste caso só de 3 em 3 anos) que decide se eu tenho ou não competências cientificas para leccionar em determinados graus de ensino.
E, não, não tenho a presunção de saber tudo, porque há 23 anos atrás uma universidade (publica) me deu um diploma de licenciatura, e há 20 anos atrás uma outra universidade (publica) me deu um diploma de mestrado, e há 17 anos atrás outra universidade (agora Americana e Publica) me deu um diploma de doutoramento.
E se eu avalio o alunos, porque não posso ser avaliado também?
Neste momento, o País precisa que todos façam e dêem o seu melhor. As condições não são as óptimas (eu uso o meu PC portátil para leccionar nas minhas aulas!...). Mas se os arruaceiros continuarem a partir vidros, e a evocar direitos adquiridos, os nosso filhos (que espero não tenham alguns destes sujeitos como "professores") terão um fardo bem mais pesado para carregar!... (ou emigrar: dentro de 50 anos, mais de metade do salário de um trabalhador no activo será para pagar as reformas dos pensionistas)...
É o bem dos nossos filhos que temos acautelar. É um país sustentável e governável que temos que lhes deixar. Só eles dão sentido e esperança ao futuro....
Façam lá p.f. um minuto de reflexão antes de resolver organizar-se em milícias de desordeiros que só denigrem o nome dos "Professores".
Como classe, somos competentes cientifica e pedagogicamente e não temos receio de o demonstrar! Aos desordeiros: vocês não são, nunca foram, e nunca saberão ser o que é "ensinar"... Mudem de profissão, se conseguirem :-)...
Boas festas para todos (sem exceção, desordeiros incluídos)!