O caso Wikileaks.
Independentemente das infracções legais em que possa ter incorrido a Wikileaks com a divulgação da correspondência diplomática dos Estados Unidos é manifesto que essa divulgação tem consequência sérias no âmbito das relações entre os Estados e da própria responsabilidade dos políticos envolvidos perante os seus cidadãos. Essa assunção de responsabilidades tem vindo a ocorrer em todo o lado. O Primeiro-Ministro turco já avisouque se demitirá se a veracidade das afirmações for comprovada. O chefe de gabinete do Ministro dos Negócios estrangeiros alemão já se demitiu por se ter descoberto que passou informações aos americanos. Em todo o mundo, conforme se pode verificar, os políticos assumem as suas responsabilidades perante a exposição pública de um escândalo desta dimensão.
Em todo o mundo? Não. Portugal continua a ser a pequena aldeia gaulesa em que o Parlamento se demitiu de fiscalizar o Governo. Perante uma clara contradição entre declarações anteriores do Governo ao Parlamento e os factos agora revelados, o nosso Parlamento, em lugar de averiguar a situação, decide antes pedir pareceres jurídicos sobre a audição do Ministro pelos deputados. O Parlamento português deve ser o único Parlamento no mundo inteiro em que requerimentos de deputados para audição de membros do Governo são sujeitos a parecer jurídico prévio do auditor do Parlamento, do Procurador-Geral da República e, imagine-se, do próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ou seja, o organismo que o Parlamento deveria fiscalizar é que vai emitir parecer sobre se deve ser fiscalizado ou não.
Tudo isto seria ridículo se não fosse trágico. O facto de os deputados aceitarem realizar desta forma uma autolimitação das suas competências destrói completamente a essência da democracia parlamentar. O Parlamento não pode ter temas tabu ou deixa de ser Parlamento. Era bom que todos os deputados tivessem consciência disso.