Em roda livre.
A notícia de hoje sobre a espionagem a um jornalista do Público confirma o que há muito penso sobre os serviços de informação: que funcionam completamente em roda livre, sem uma fiscalização minimamente eficaz, a qual é absolutamente imprescindível num Estado de Direito. A infeliz resposta do Governo sobre este assunto só vai agravar a insegurança dos cidadãos nesta matéria. Depois de os lesados terem pedido a intervenção do Ministério Público, e de a Comissão Nacional de Protecção de Dados ter aberto um inquérito à divulgação de dados de telemóvel, o Governo limita-se a anunciar um novo inquérito interno dos serviços, ao mesmo tempo que se recusa a enviar ao Parlamento os resultados do anterior, alegando segredo de Estado. Parece assim que só o Parlamento é que vai ficar à margem da investigação que os outros órgãos do Estado vão fazer aos serviços. Mas então há uma questão que se impõe: não é o Parlamento o responsável pela nomeação dos órgãos de fiscalização desses serviços? Estão os responsáveis parlamentares satisfeitos com o trabalho desses órgãos de fiscalização? Ou será que essa matéria também é segredo de Estado?
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Equidade fiscal.
Enquanto a França anuncia um imposto extraordinário de 3% a ser pago unicamente pelos contribuintes que ganham rendimentos acima de 500000 euros, e a aplicar só em 2012, Portugal já demonstrou que é possível ir muito mais longe. O imposto extraordinário cá é de 3,5%, a ele só escapam os indigentes e os rendimentos de capitais, é aplicado já aos rendimentos de 2011 e será pago em grande parte ainda no fim deste ano. Aqui temos um exemplo típico do entendimento que em Portugal se tem da equidade fiscal. Como é que a França não se lembrou disto para assegurar um orçamento ainda mais equilibrado já em 2011?
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O Chefe do "Governo Económico Europeu".
Hermann Van Rompuy, até agora Presidente do Conselho Europeu, mas ao que parece já nas suas novas funções de Chefe do "Governo Económico Europeu" para que foi designado na cimeira Merkel-Sarkozy, pronuncia-se contra os Eurobonds. Tal não constitui propriamente novidade, uma vez que, como já aqui escrevi, fiquei absolutamente convencido de que a Alemanha nunca os aceitará. A novidade, no entanto, é que, sendo os Eurobonds defendidos por tantos países europeus, não deixa de ser curioso que alguém no centro de um órgão comunitário, onde deveria ter independência das posições dos Estados-Membros, venha afinal ter um alinhamento tão grande com a posição da Alemanha. Tal demonstra, para quem ainda tivesse dúvidas, que o "Governo Económico Europeu" será de facto dirigido por Angela Merkel e Van Rompuy se limitará a executar as suas determinações. E de facto nestas declarações de ontem o que se ouviu foi his master's voice.
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Evolução na continuidade?
Já tinha escrito aqui que este Governo está a começar a parecer-se de forma preocupante com o anterior. Depois do que escrevi surgiram ainda sinais mais preocupantes, dos quais o mais extraordinário seria a recuperação do inútil e dispendioso projecto do TGV. Felizmente que existe pelo menos um deputado do PSD a dizer o que se impõe sobre este assunto. Ou o Governo realiza uma ruptura total com o estado de coisas que foi deixado, a qual passa por apresentar quanto antes medidas extraordinárias de redução da despesa, e não cobrança de receitas extraordinárias, ou arrisca-se seriamente a perder o comboio do país, mesmo que queira avançar com o TGV. A pior coisa que nos poderia acontecer seria criar a impressão de que afinal, em vez de uma mudança de política, temos antes uma evolução na continuidade, ao estilo de Marcello Caetano. Ora, todos sabem qual foi o destino final dessa sua iniciativa de evolução na continuidade.
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Visto da Alemanha.
Estando presentemente na Alemanha por motivos profissionais, posso ver a perspectiva com que aqui é encarado o resultado da cimeira Merkel-Sarkozy. Aqui acentua-se essencialmente a recusa dos Eurobonds, sendo manifesto que os cidadaos alemaes veriam com muito maus olhos qualquer tentativa de os criar. Parece-me por isso que Merkel nunca alinhará nessa proposta, uma vez que tal lhe custaria inevitavelmente o cargo.
Os resultados da cimeira demonstram, por outro lado, mais uma vez o apagamento total da Comissao Europeia e de Durao Barroso. O pretenso "governo económico europeu" constitui apenas uma submissao dos outros Estados-Membros ao Diktat da Alemanha, tanto assim que a sua presidencia é oferecida sem qualquer escrutínio democrático a uma figura totalmente apagada como Hermann Van Rompuy, que se limitará a executar as ordens da Alemanha. Quanto à referida taxa Tobin nao me parece que vá resolver problema algum. É evidente por isso que, a continuar-se assim, o descalabro do euro será uma realidade, mais dia menos dia.
Mas de uma coisa fiquei convencido. Levar a Alemanha a aceitar os Eurobonds é um sonho de uma noite de Verao. E o Verao este ano na Alemanha está a ser muito frio, pouco propício a sonhos.
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Uma desilusão
Em 14 de Julho passado, quando anunciou o lançamento de um imposto extraordinário, o Ministro das Finanças disse que a consolidação orçamental seria realizada em 2/3 de redução da despesa e 1/3 de aumento da receita, comprometendo-se a apresentar a breve prazo as medidas de redução da despesa. Tive na altura ocasião de criticar aqui essa medida, uma vez que me pareceu existir uma óbvia inversão de prioridades, em contrariedade a todas as promessas eleitorais do PSD, que tinham sido integralmente baseadas no corte da despesa. Alguém se lembra, por acaso, deste site?
Passa-se um mês e, quando deveria anunciar as prometidas medidas de redução da despesa, o Ministro limita-se a antecipar medidas de aumento da receita, deixando até a troika preocupada com a falta de medidas de redução da despesa. Tal representa em primeiro lugar um grave erro de comunicação política, pois não pode ser anunciada uma conferência de imprensa sobre redução da despesa e nada surgir sobre o tema. Mas o que é ainda mais grave é estar-se a transmitir para o exterior a imagem de que o Governo já desistiu de reduzir a despesa, optando antes por fazer a consolidação orçamental do lado da receita.
A política orçamental não é um mero exercício contabilístico, tendo que ser baseada em princípios de equidade. Um deles é o de que o Estado não pode gastar acima das suas possibilidades. Cada dia em que o Ministro anuncia mais aumentos de receita e não fala em redução da despesa, a mensagem que transmite é a de que o Estado vai continuar a viver acima das suas possibilidades, sacrificando os cidadãos para esse efeito. Era a última mensagem que precisávamos que fosse transmitida neste momento.
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Os órgãos de soberania no Facebook.
Já tinha achado bastante original o hábito de o Presidente da República publicar sistematicamente mensagens no Facebook sobre assuntos de Estado. Parece, no entanto, que o exemplo faz escola e agora é o Primeiro-Ministro que também nos presenteia com uma mensagem no Facebook. A mensagem pretende ser apenas "uma pequena reflexão de Verão", mas é verdadeiramente um discurso de Governo. Nesse discurso, começa-se logo por salientar que "o ritmo de tomada de decisões que nos impusemos, bem como a nossa imperiosa necessidade de cumprir os acordos a que o País se comprometeu têm vindo a impor uma agenda exigente que eu encaro como o nosso Grande Desafio como nação e como povo". E o Primeiro-Ministro declara expressamente: "Não me comprometo com resultados rápidos nem com sacrifícios suaves. Não seria realista. Mas não duvido que, passada esta profunda e longa tempestade, teremos um país muito mais bem preparado para compreender, competir e vencer num mundo que assiste diariamente a importantes transformações".
O tom discursivo desaparece, porém, logo em seguida quando o assunto da mensagem se transforma afinal em o Primeiro-Ministro ir gozar uns dias de férias com a família, como é seu direito. Nessas férias procurará naturalmente, como qualquer cidadão, "aproveitar intensamente o tempo disponível: afinal é nas situações mais simples que podemos encontrar os momentos de maior felicidade". Agora a mensagem deixa de ser um discurso político e assume mesmo um tom intimista e pessoal, tanto assim que termina com "um abraço forte e continuação de um bom Verão".
As redes sociais têm vindo a assumir-se como um extraordinário meio de comunicação entre as pessoas e desde a eleição de Obama que provaram ser igualmente um óptimo instrumento de comunicação política. Tenho, porém, as maiores dúvidas sobre a eficácia da sua utilização por parte de Governantes. Um Primeiro-Ministro que fala sobre o "nosso Grande Desafio como nação e como povo" e sobre os "sacrifícios" que não serão "suaves", não deve no momento seguinte falar das suas próprias férias. E muito menos deve desejar a "continuação de um bom Verão", quando se sabe que as insolvências que diariamente são noticiadas levarão a que muitos portugueses cheguem ao fim deste Verão sem emprego. Uma comunicação aos cidadãos do Primeiro-Ministro deve ter uma solenidade própria, não devendo ser confundida com as mensagens que diariamente trocamos com os nossos amigos no Facebook.