O desacordo ortográfico
Não resisto a entrar nesta polémica. Quando o acordo ortográfico foi assinado, estava previsto que só deveria entrar em vigor quando fosse ratificado por todos os Estados de língua oficial portuguesa. Quando se percebeu que isso não iria acontecer, decidiram os Estados que o ratificaram passar a aplicá-lo após três ratificações: as de Portugal, do Brasil e de Cabo Verde. Em consequência os outros países que falam português continuarão a escrever à moda antiga e a ortografia da língua portuguesa variará totalmente de país para país. Era difícil conceber disparate maior, que conseguisse causar mais dano ao papel da língua portuguesa no mundo.
Ao pretender erigir a pronúncia das palavras em critério decisivo, o acordo ortográfico esquece as raízes das palavras e as conexões entre elas, contribuindo para um enorme empobrecimento da nossa língua, para além de estimular a confusão entre palavras distintas. Para além disso, pretendendo seguir a pronúncia, adopta muitas vezes uma ortografia que com ela nada tem a ver.
Vejamos em primeiro lugar, a confusão entre palavras distintas. Assim, se "concepção" passar a "conceção", como a distinguimos de "concessão", acto de conceder? Se "recepção" passar a "receção", como distingui-la de "recessão", como a que atravessamos? E há casos de completa indistinção entre palavras diferentes. Um exemplo é "retractar" que, se passar a "retratar", passa a confundir-se com "tirar o retrato". Também "espectador", se passar a "espetador" pode confundir-se com "aquele que espeta".
Falemos, em segundo lugar, da perda de ligações entre as palavras: os habitantes do novo "Egito" continuam a ser os "egípcios", não tendo passado a ser os "egitenses".
Aponte-se, em terceiro lugar, o esquecimento das raízes das palavras. Muitas vezes na língua portuguesa existem versões erudita e popular da mesma expressão, como "ruptura", a partir do latim "ruptus", e "rotura", a partir do português "roto". Agora inventou-se uma terceira variante: a "rutura". Mas "ruto" não existe em português.
E finalmente, estabelece-se por vezes uma ortografia totalmente deslocada da pronúncia: "vêem" passa a "veem", "crêem" a "creem". Esta ortografia terá alguma coisa a ver com a pronúncia destas palavras em português?
Claro que os defensores do acordo ortográfico virão argumentar que também deixámos de escrever "pharmácia" e "philosophia". A meu ver, mal. O "ph" permitia descobrir imediatamente a origem grega dessas palavras. Cabe perguntar como é que o inglês conseguiu triunfar no mundo se continua a escrever "pharmacy" e "philosophy"?
Se Portugal quer de facto unificar a sua ortografia com o Brasil, diferenciando-se da escrita dos outros países de língua portuguesa, tem uma boa solução: adopte integralmente a norma brasileira. Este disparate é que não faz sentido nenhum.
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Habituem-se
Eu não concordo muito que o Estado dê prémios pecuniários aos alunos, mas acho absolutamente inconcebível que um prémio já atribuído possa ser retirado a 48 horas de antecedência da cerimónia, quando os alunos já tinham sido avisados que o iriam receber. Imagino a enorme decepção que todos os alunos contemplados irão sofrer quando forem à cerimónia e não receberem prémio algum. E o que terão que passar as suas famílias para compensar a sua desilusão.
Mas há que reconhecer que com esta decisão o Ministério da Educação acaba de prestar um grande serviço pedagógico aos alunos. Ficaram desde já a saber que é este o Estado Português com que terão de conviver em adultos: um Estado que a todo o tempo pode desrespeitar os seus compromissos, cortar unilateralmente os salários aos seus funcionários, as pensões aos seus pensionistas e aumentar retroactivamente os impostos que cobra. Os alunos podem assim desde já habituar-se a que é este o país em que vivem e pensar em emigrar para o estrangeiro. Só essa lição vale mais que o prémio.
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De facto, venha para Lisboa
Não é necessário fazer nenhum apelo para que os grafiteiros venham para Lisboa, pois eles já cá estão há muitos anos. Há muito que sabemos que a Câmara de Lisboa é amiga dos grafiteiros. Não é amiga é do povo de Lisboa. É por isso que é isto que vemos em toda a Lisboa. Alguns graffitis podem ter alguns laivos artísticos, mas isso não justifica a utilização da propriedade alheia sem consentimento dos seus donos. A esmagadora maioria dos graffitis é pura e simplesmente horrível, gerando um ambiente degradado. Por mim, é Rui Rio que pode descer a Lisboa que faz cá muita falta.
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Os graffitis nas nossas cidades.
Rui Rio tem toda a razão. É absolutamente inaceitável que a propriedade alheia e o espaço público sejam constantemente vandalizados por graffitis que só servem para dar uma imagem degradada das nossas cidades a quem as visita. A incapacidade do Estado em reprimir estes actos de vandalismo é um sinal claro da decadência da sociedade em que vivemos. Para quando uma política de tolerância zero em relação aos graffitis?
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O Diktat da Senhora Merkel.
Segundo se refere aqui parece que a Senhora Merkel acha que os países endividados devem ser sujeitos a perdas de soberania de tal forma a que os que "não cumprem os critérios devem ser obrigados a cumprir", exigindo mais uma alteração aos tratados europeus para o efeito. Neste momento, parece que os tratados europeus de tratados já só têm o nome, sendo constantemente substituídos por um verdadeiro Diktat da Senhora Merkel, às vezes isoladamente, outras vezes em parceria com o Senhor Sarkozy. Gostava de saber que perda de soberania maior que aquela que já sofremos ainda nos pode vir a ser exigida. Custa-me assistir ao descalabro da União Europeia a benefício do seu maior Estado-Membro, a Alemanha. Há quem se resigne a isto, e diga que a nova Alemanha tem que mandar na Europa. Mas a Europa deve lembrar-se que não é à Alemanha que deve o seu nome. É à Grécia.
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Os fins justificam os meios.
Tem vindo a ser esse o padrão argumentativo das decisões do Tribunal Constitucional desde a crise financeira, em que o objectivo de obter a redução do défice tem vindo a legitimar sempre a afectação dos legítimos direitos e expectativas dos cidadãos. O Rui A. no Blasfémias pergunta para quê o Estado de Direito. Eu pergunto antes por que não se extingue o Tribunal Constitucional?
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Um americano em Paris
O novo filme de Woody Allen, Midnight in Paris, é absolutamente brilhante. Ao contrário dos outros realizadores americanos, Woody Allen é um apaixonado pela cultura europeia, pelo que não admira que tenha decidido começar a filmar em cidades europeias. O seu filme é todo ele uma homenagem a Paris, uma das mais extraordinárias cidades do mundo, a meu ver só suplantada precisamente pela sua Nova Iorque. Mas temos a surpresa de encontrar no filme uma citação constante dos grandes vultos da cultura americana, que como ele também passaram por Paris. Mas a grande demonstração do filme é que a magnífica cidade de Paris suplanta todas as obras. Como uma personagem diz no filme, não há obra humana, seja sinfonia, romance ou pintura, que consiga suplantar uma grande cidade.
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Ensaio sobre a cegueira
Novamente o lançamento de mais medidas de austeridade na Grécia, uma vez que, por mais brutais que sejam as anteriores, elas nunca chegam. Fico perplexo que alguém julgue que é possível prosseguir num caminho que toda a gente já percebeu onde vai levar. Uma regra fundamental na política é o de que tem que acontecer é melhor que aconteça logo. Mais vale encarar os problemas de frente do que adiar o inevitável.
O ano passado, numa reunião internacional, conheci um Professor de uma Universidade grega. Perguntei-lhe como estava a situação na Grécia e a resposta dele foi a de que lhe tinham cortado 25% do seu salário. Soube posteriormente que os impostos sobre o imobiliário decuplicaram na Grécia no ano passado.
Este ano, a Grécia tem andado a apresentar medidas de austeridade cada vez mais absurdas, quer de cortes nos salários, quer de aumento de impostos. Em 11 de Setembro anunciou um novo aumento de imposto sobre o imobiliário, a cobrar na conta da luz, em ordem a obter uma receita extarordinária de dois mil milhões de euros. Como em Portugal a receita anual do IMI é de mil milhões de euros (a troika propôs um aumento de 250 milhões) e a Grécia tem sensivelmente a mesma população de Portugal, imagine-se o impacto deste novo imposto. E o facto de ser cobrado na factura da luz parece ter o objectivo de cortar a luz a quem não o pagar.
Agora apenas dez dias depois surgem ainda novas medidas de austeridade: corte de 20% nas pensões acima de 1200 euros e colocação de 30000 funcionários públicos numa bolsa especial, em que lhes é cortado 60% do vencimento, podendo mesmo ser despedidos. E o absurdo imposto imobiliário acima referido é prorrogado até 2014, só ficando isentos os cidadãos que ganhem menos de 5000 euros anuais! Devem ser os únicos a quem não vai ser cortada a luz.
Como não podia deixar de ser o resultado desta política é de que a Grécia entrou numa enorme recessão, sofrendo uma contracção de 7,3% do PIB. É por isso manifesto que não vai conseguir pagar nada das suas dívidas e que estas medidas de austeridade para dar confiança aos mercados vão ser totalmente inúteis.
O comportamento dos outros países europeus em relação à Grécia lembra-me o Ensaio sobre a cegueira, de Saramago. Quando várias pessoas ficam cegas em resultado de uma doença misteriosa, são colocados numa prisão em isolamento para evitar o contágio. O problema é que o contágio não deixa de se verificar, crescendo o número de presos até que os próprios governantes são atingidos. Quando a Grécia cair (já não é se…) o contágio aos outros países europeus é inevitável. Passos Coelho já o reconheceu ontem. Lastimavelmente, no entanto, a Europa continua a caminhar para o abismo, insistindo numa via que já se provou que não resolve o problema dos países endividados. Por onde anda a proclamada solidariedade europeia?
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Mais uma revolução silenciosa.
Já perdi a conta à quantidade de vezes que oiço falar de "revolução silenciosa" para procurar desculpar o facto de não se estar a fazer nada de relevante ou o que se está a fazer não estar a produzir o efeito desejado. Mariano Gago dizia que estava a fazer uma revolução silenciosa na Ciência e nas Universidades. O programa Novas Oportunidades foi também qualificado como uma revolução silenciosa. O programa de distribuição de frutas e legumes nas escolas também foi considerado uma revolução silenciosa. A ida de Paulo Bento para treinador da selecção nacional foi igualmente vista como uma revolução silenciosa. Também a antiga Ministra do Ambiente Dulce Pássaro dizia que tinha havido uma revolução silenciosa na distribuição de águas. A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados foi também vista como uma revolução silenciosa ao serviço dos idosos. Alguém deu por todas estas gigantescas revoluções?
Não querendo desmerecer a tradição das revoluções silenciosas em Portugal, vem agora Carlos Moedas dizer que o Governo está a fazer também a sua revolução silenciosa de que os portugueses infelizmente não se conseguem aperceber. Imagine-se onde é que está a revolução silenciosa: numa futura revisão da Lei da Concorrência, que ainda ninguém viu, e numa reforma muito limitada do Código da Insolvência, já justamente apelidada como uma via verde para a insolvência. Neste último caso, duvido que a revolução seja silenciosa, pois, se alguma coisa que dificlmente será vista em silêncio será o multiplicar das insolvências em Portugal.
Era bom que acabasse este hábito de chamar "revolução silenciosa" a tudo e mais alguma coisa. A única revolução de que me lembro de ter assistido neste país ocorreu há 37 anos. E garanto que na altura toda a gente deu por ela.
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A nossa aldeia gaulesa
A ler aqui.