Refundar o Estado Social.
Se já nos estamos a ver gregos com o Orçamento para 2013, imagine-se o que será em 2014, em que vai ser preciso cortar 4.000 milhões para pôr o défice nos miraculosos 2,5% do PIB, que aliás ainda estão longe dos 0,5% exigidos pelo Tratado Orçamental. Conhecendo o actual Governo, imagino as propostas que aí vêm:
1) Limitar a escolaridade obrigatória à 4ª classe. No tempo dos nossos avós era assim. A seguir fecham-se todas as escolas secundárias e universidades públicas. Quem quiser ter educação complementar que vá para uma escola privada. Mas em bom rigor nem isso será necessário, pois o que se pretende é que os alunos deixem de ser piegas e comecem a trabalhar muito cedo. Daqui a vinte anos terão sempre possibilidade de pedir equivalência à licenciatura ou até ao doutoramento com base no currículo profissional.
2) Extinguir todo o sistema de saúde público. Quando mais depressa morrermos, mais depressa deixamos de ser um encargo para a segurança social. Aliás, para acelerar a coisa, até se deve passar a tributar mais reduzidamente o tabaco e as bebidas. Os portugueses vivem demasiado tempo para o Estado social que temos.
3) Se o despedimento dos funcionários públicos resultante de 1) e 2) não chegar, despedir até 100.000 funcionários públicos. Para evitar iniquidades nesse despedimento, o Governo proporá uma roleta onde serão sorteados os números de funcionários a abater (em sentido figurado, claro) aos quadros.
4) Como o previsto em 3) atirará o desemprego para os 20%, o Governo proporá extinguir imediatamente o subsídio de desemprego. Para o Governo não faria sentido nenhum andar a sortear o despedimento de funcionários e depois ainda ter que lhes pagar subsídios. Aliás subsídios é palavra abolida para todo o sempre no Estado Social refundado. E o mesmo sucede com o rendimento mínimo garantido. Com é que se quer ter alguma coisa garantida neste novo Estado Social?
5) Elevar a idade de reforma para os 100 anos. Se o Manuel de Oliveira conseguiu trabalhar com esta idade, porque não o hão-de fazer todos os outros?
Devem ser estas as medidas que aí vêm para 2014 e que permitirão um glorioso sucesso ao programa de ajustamento. Se a constituição o impedir, ela vai ter que mudar por força da realidade. Aliás, nem isso será necessário pois nem o Presidente nem o Tribunal Constitucional impedirão a aplicação das geniais medidas do Professor Gaspar. Mas a fazer-se uma revisão constitucional, provavelmente o artigo 1º passará a ser "Portugal é um protectorado, baseado na indignidade da pessoa humana e na vontade dos credores, e empenhado na sua transformação numa sociedade obediente, injusta e austera".
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Até ao fim.
Durante uma viagem a Hamburgo, li o mais recente livro de Ian Kershaw, Até ao fim, que retrata primorosamente a obstinação cega de um regime, apostado em prosseguir uma política que se sabia não poder ter qualquer êxito, mas que os governantes asseguravam ir prosseguir, contra todas as evidências, por mais sofrimento que causassem ao povo. Mesmo depois da queda de Viena, Hitler limitou-se a dizer: "Berlim continua alemã. Viena voltará a ser alemã. E a Europa nunca será russa". No fim, isolado de tudo e de todos, atirou as culpas para o mesmo povo alemão que antes glorificara: "Se o povo alemão não consegue passar por esta prova, não merece o que preparei para ele".
Ao ler o livro não pude deixar de dar razão aos que têm estabelecido um paralelismo com a presente realidade na Europa, e especialmente em Portugal. O discurso constante de que não há outra alternativa que não seja prosseguir neste caminho, por muito sofrimento que venha a causar. A simultânea culpabilização e elogio do povo sofredor que num dia é piegas, noutro dia é o melhor povo do mundo. E finalmente o constante anúncio de um final feliz para algo que já toda a gente percebeu ser uma tragédia. Hitler dirigia exércitos imaginários no seu bunker de Berlim, assegurando ir alcançar a vitória. Vítor Gaspar, apesar de reconhecer que há "riscos e incertezas," anuncia a recuperação económica para daqui a um ano.
O orçamento para 2013 foi aprovado pelo Parlamento. O Presidente utilizou a ironia para anunciar não querer saber das "pressões de vinte corporações e mais de cem individualidades" para que o enviasse ao Tribunal Constitucional. O país está irremediavelmente condenado a cair no abismo. Até ao fim.
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As declarações de voto dos deputados.
Ao que parece, há deputados do PSD que vão apresentar declarações de voto a contestar o aumento de impostos que lá irão disciplinadamente votar. Não há espectáculo que ache mais deprimente do que ver deputados a apresentar declarações de voto em sentido contrário ao que votam, o que até pode, a meu ver, levantar questões de invalidade do voto. Se não estão de acordo com a proposta, então que votem contra. Se têm medo de votar contra, então que renunciem ao cargo. Se não são capazes de fazer nem uma coisa nem outra, então mais vale que votem em silêncio. Como disse Cavaco Silva, em certos casos o silêncio é de ouro. Neste caso, tem pelo menos o grande valor de evitar o ridículo.
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A ironia do Presidente.
Parece que o Presidente da República resolveu fazer ironia com as críticas que lhe têm dirigido sobre o seu silêncio. Face ao fino gosto das declarações irónicas que proferiu, na altura em que milhões de portugueses vivem angustiados sobre como vão sobreviver no próximo ano, acho que afinal é preferível que fique calado.
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A Grécia lançada às feras.
O Eurogrupo mais uma vez não chega a acordo para ajudar a Grécia, alegando que há "questões técnicas" a resolver sobre a sustentabilidade da dívida grega. As "questões técnicas" são evidentes: a dívida grega é insustentável, assim como a da esmagadora maioria dos países do sul da Europa. A falta de acordo no Eurogrupo é por isso cada vez mais uma questão política: os restantes países do euro, depois de obrigarem a Grécia a um plano de ajustamento que arrasou a sua economia, vão agora abandoná-la à sua sorte. Business (and politics) as usual. Como muitos têm avisado, Portugal daqui a um ano estará exactamente na mesma situação.
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Chegou a vez da França.
Esta reportagem da revista The Economist já tinha sido o tiro de partida. Agora a Moody's vem logo atrás iniciando o processo de descida do rating da França. Neste momento os mercados consideram que a moeda única foi um embuste e que nenhum país do sul da Europa, nem sequer a França, tem capacidade para isoladamente pagar as dívidas que contraiu. Como não parece que os países do Norte, com a Alemanha à cabeça, tenham a mínima intenção de assumir essas dívidas, seja através de eurobonds, seja por outra via qualquer, é evidente que todos estes países irão cair como peças de dominó. E a sua queda no abismo ocorrerá, independentemente das inúmeras medidas de austeridade que todos os dias lançam sobre os seus cidadãos, em ordem a ficar bem vistos perante os mercados. Os mercados não se tranquilizam com a austeridade. Tranquilizam-se sabendo que há dinheiro disponível para pagar aos credores. E esse dinheiro só existirá enquanto a troika o emprestar. É por isso que cada vez mais me convenço que o euro tem os dias contados, pelo menos na sua actual versão.
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Ainda temos Governo?
O Ministro da Administração Interna diz que está de mãos vazias para ajudar as vítimas do tornado no Algarve. E quando lhe perguntam que apoios irão ser prestados por parte do Estado responde isto: "Não me fale de dinheiro, não vale a pena estar a atirar valores para o ar, ao calha". Já o Primeiro-Ministro não achou necessário interromper os croquetes e cocktails da cimeira ibero-americana em Cádis para se deslocar ao Algarve, apesar de ficar mesmo ali ao lado. Limitou-se por isso a dizer que: "lamento que não tenha sido possível da parte do senhor ministro da Administração Interna uma declaração mais esclarecedora quanto à intervenção do Governo". Face a estas declarações, eu não percebo como é que o Ministro da Administração Interna ainda está no cargo. Em qualquer outro país do mundo civilizado, se o Primeiro-Ministro não o tivesse previamente demitido, seria ele a apresentar a sua demissão depois destas declarações do Primeiro-Ministro. Começa a parecer claro que o Governo de Portugal desapareceu. Deve ter sido o tornado que o levou.
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"É inevitável Portugal sair do euro".
Quem o diz é um ex-director adjunto do FMI, que acha que Portugal deveria tomar a dianteira e sair do euro quanto antes. Curiosamente esta semana eu próprio já tinha defendido aqui a mesma posição. Estes programas de ajustamento são totalmente irrealistas e só servem para agravar a recessão nos diversos países em que são aplicados. O mais tardar daqui a dois anos ver-se-á que nada conseguiram e a saída do euro será a única opção viável. Mas os Governos que alinharam nisto terão prestado um péssimo serviço aos seus povos e serão responsabilizados por terem embarcado neste processo. Há uma regra de ouro na política segundo a qual o que tem que acontecer é melhor que aconteça já.
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A greve afinal não foi geral.
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Ich bin ein Berliner.
Sinceramente não sei como qualificar este vídeo. É a todos os títulos revoltante. Em primeiro lugar a manipulação óbvia, como o dizer que a idade da reforma na Alemanha é de 61,7 anos, quando é de 67 anos, ou fazer referência à tributação de Portugal no Orçamento para 2013, que ainda não foi aplicada, ou à eliminação de feriados em Portugal que só vigora no próximo ano. Depois a tentativa de responsabilizar a Alemanha pelos gastos disparatados que fizemos, como os submarinos, a rede de carros eléctricos, ou os estádios do Euro 2004, a pretexto de que foram contratados alemães para o efeito. Os fornecedores têm alguma culpa do endividamento em que caem os seus compradores? Depois temos a comparação disparatada entre a queda do muro de Berlim e a presente situação em Portugal, que só faz lembrar aos alemães quanto lhes custou a integração da RDA. E, por último, o estilo subserviente do filme como se fazer palhaçadas tornasse os nossos credores mais complacentes.
Se este filme passasse na Alemanha, acho que os alemães ficariam com uma ideia ainda pior de Portugal do que a que já têm. Eu pelo menos fiquei. Foi por isso um favor que nos fizeram que o vídeo não tivesse passado. Há certas pessoas em Portugal que no meio da tragédia ainda conseguem praticar a farsa.