Um país sem soberania.
Se há coisa que me revolta profundamente é o estado a que se deixou chegar a soberania nacional num país com oito séculos de história. No dia em que na Europa se assiste à emergência de nações a reclamarem a independência, como a Escócia no Reino Unido, ou a Catalunha na nossa vizinha Espanha, Portugal afunda-se completamente, não parecendo capaz de tomar qualquer decisão soberana. Basta alguém sequer aventar essa hipótese, como sucedeu com o manifesto dos 74, hoje cada vez com mais apoios, para ser imediatamente acusado de crime de lesa-majestade, por indispor os verdadeiros soberanos, neste caso os credores. Como já aqui escrevi, esta situação começa a parecer-se com o fim do Estado Novo.
Os nossos governantes passaram a dedicar-se exclusivamente à encenação. O actual Primeiro-Ministro, numa prática inaugurada pelo seu antecessor, passou a ir a despacho a Berlim, o que considera um acto de grande soberania. De lá, ao lado da verdadeira soberana, pretende convencer-nos que a Alemanha aguarda com expectativa a decisão do Governo Português, e que a apoiará qualquer que ela seja. Como se nós não tivéssemos percebido que a decisão já foi tomada pela chancelerina alemã, e que o Governo se limitará a executá-la. Porque se não o fizesse, nas imortais palavras do outro, estaria o caldo entornado. Vai estar de qualquer maneira, mas para quem conta isso pouco importa.
Mas a encenação mais grave foi a do Presidente na sua comunicação de ontem. Pretendeu, em primeiro lugar, convencer-nos que, depois de uma audição aos partidos políticos, tinha decidido marcar a data das eleições europeias para 25 de Maio. Como se nós não soubéssemos que essas eleições estão marcadas pelo Conselho Europeu desde 14 de Junho passado, só podendo os Estados-Membros decidir sobre se se realizam entre a quinta-feira e o domingo, sendo que o Reino Unido opta habitualmente pelo primeiro dia e os restantes Estados-Membros pelo último. Em segundo lugar o Presidente, numa nova versão de que a pátria não se discute, pede aos partidos políticos que apenas discutam os temas europeus e não os nacionais. Estou mesmo a imaginar um debate entre os portugueses sobre se o melhor presidente da Comissão será Alexis Tsipras, Martin Schulz, Guy Verhofstadt, ou Jean-Claude Juncker. Depois o Presidente pede aos portugueses que sejam bem comportados, e evitem crispações, para não prejudicar os "futuros consensos", que naturalmente outros se encarregarão de decretar. E finalmente o Presidente termina dizendo que o futuro da Europa é o futuro de Portugal. Esta frase lapidar significa apenas que o país já não tem futuro. Como num prefácio recente o Presidente fez questão de explicar.