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Os sonâmbulos.

Sexta-feira, 29.08.14
Aproveitei este período de férias para ler o livro Os sonâmbulos (The Sleepwalkers), de Christopher Clark, que explica perfeitamente como a Europa se deixou de disparate em disparate arrastar para a guerra em 1914, que levou à destruição dos países envolvidos e à reformulação geopolítica do continente. O autor demonstra claramente como a causa próxima do conflito, o tiro disparado pelo sérvio bósnio Gravilo Princip, foi afinal o simples rastilho de uma guerra que foi desencadeada pela inconsciência dos governantes europeus, que se deixaram arrastar de escalada em escalada até à guerra total.  

 

É precisamente o que hoje se está a passar na Ucrânia. Sempre achei que a questão ucraniana tem que ser tratada com pinças, uma vez que é um estado dividido ao meio entre um ocidente pró-europeu e um leste pró-russo e cuja importância estratégica para a Rússia é absolutamente decisiva. Lenine dizia que os soviéticos podiam perder a cabeça mas não podiam perder a Ucrânia e Putin tem exactamente o mesmo posicionamento. Precisamente por isso desde a queda de Ianukovitch que me parece que tudo se encaminha para um confronto directo do Ocidente com a Rússia. A situação poderia ter sido evitada com a eleição de Poroshenko, mas este optou por esmagar a rebelião de Donetsk e Lugansk pela força das armas, lançando o exército ucraniano contra os rebeldes. Ora, era evidente que Putin não iria permitir o esmagamento dos rebeldes russos na Ucrânia, pelo que quanto mais vitórias Poroshenko tivesse no terreno, mais se tornaria inevitável a intervenção da Rússia. No fundo, a situação não é diferente da guerra da Coreia, em que a tomada de Pyongyang por McArthur arrastou imediatamente a China para o conflito, obrigando os EUA a voltar a recuar para sul do paralelo 38, uma vez que a única alternativa — e que foi proposta por McArthur — era uma guerra nuclear dos EUA com a China.

 

 

Neste momento, já é a própria diplomacia alemã a reconhecer que a situação na Ucrânia ameaça ficar fora de controlo. O que me espanta é que a diplomacia alemã não se tenha apercebido disso desde o início. Mais uma vez, o que isto lembra é 1914. O Kaiser e o Czar trocavam telegramas em que se tratavam carinhosamente por Willy e Nicky, enquanto arrastavam os seus países para o apocalipse.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 19:00

Pobres accionistas.

Sexta-feira, 08.08.14

"Num relance, compreendi que se tramava a Companhia das Esmeraldas da Birmânia, medonha empresa em que cintilavam milhões, e para que os dois confederados da bolsa e da alcova, desde o começo do ano, pediam o nome, a influência, o dinheiro de Jacinto. Ele resistira, no enfado dos negócios, desconfiado daquelas esmeraldas soterradas num vale da Ásia. E agora o conde de Trèves assegurava ao meu pobre Príncipe que no Prospecto já preparado, demonstrando a grandeza do negócio, perpassava um fulgor das Mil e Uma Noites. Mas sobretudo aquela escavação de esmeraldas convidava o espírito culto pela sua acção civilizadora. Era uma corrente de ideias ocidentais, invadindo, educando a Birmânia. Ele aceitara a direcção por patriotismo...

— De resto é um negócio de jóias, de arte, de progresso, que deve ser feito, num mundo superior, entre amigos...

E do outro lado o terrível Efraim, passando a mão curta e gorda sobre a bela barba, mais frisada e negra que a de um Rei Assírio, afiançava o triunfo da empresa pelas grossas forças que nela entravam, os Nagayers, os Bolsans, os Saccart...

Jacinto franzia o nariz, enervado:

— Mas, ao menos, estão feitos os estudos? Já se provou que há esmeraldas?

Tanta ingenuidade exasperou Efraim:

— Esmeraldas! Está claro que há esmeraldas!... Há sempre esmeraldas desde que haja accionistas!

E eu admirava a grandeza daquela máxima…"

 

Eça de Queiroz, A cidade e as serras.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 08:13

A debandada.

Quinta-feira, 07.08.14

 

Estava escrito nas estrelas que a "solução" encontrada para o BES iria provocar uma debandada geral dos investidores da banca portuguesa. Na verdade, já toda a gente percebeu o óbvio: Se o Fundo de Resolução reclamar dos restantes bancos o dinheiro que o Estado meteu no BES, a banca pura e simplesmente afunda. E depois da experiência do BES nenhum investidor vai querer apostar um cêntimo que seja em acções dos bancos portugueses. Na verdade, se há coisa que o país não pode fazer é pôr-se a experimentar soluções ainda não implementadas e que não têm condições para o ser na presente fase. Um Fundo de Resolução capitalizado, pronto a acudir ao salvamento dos Bancos, é capaz de ser uma boa ideia. Um Fundo de Resolução sem fundos, que precisa de pedir dinheiro emprestado ao Estado, e que ele diz que vai pedir depois à restante banca, não passa de uma anedota. Estas coisas não se gizam na praia, entre dois mergulhos. Com isto corremos o risco de ficarmos conhecido como o aprendiz de feiticeiro.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 07:46

A tempestade perfeita em férias.

Quarta-feira, 06.08.14

 

 

Como não podia deixar de ser, houve imediatamente uma série de comentadores que cantaram loas e hossanas à intervenção do Estado no BES. Uma análise mais atenta tornaria, porém, evidente que a solução arranjada pelo Banco de Portugal, e depois aprovada pelo Conselho de Ministros reunido na praia, tem mais buracos do que o próprio buraco do BES. Neste momento, os primeiros sacrificados, os outros bancos, já se começaram a mexer. Cá para fora saiu que propuseram aumentar a sua contribuição para o Fundo de Resolução, mas a realidade é outra. Os bancos querem substituir a contribuição extraordinária de 133 milhões que lhes pediram por um empréstimo de 635 milhões. A razão parece óbvia. Os bancos não querem abrir o precedente de uma contribuição extraordinária para o Fundo, sabendo que depois lhes irão pedir o restante. Um simples empréstimo parece melhor no balanço dos bancos, já que compromete o Fundo com a sua futura restituição, e permite dizer cá para fora que o Estado até está a comprometer-se menos, quando afinal os bancos ficam seus credores.

 

Este é o principal problema da salvação de bancos na zona Euro. É que o dinheiro que vai para um lado fica a faltar no outro. Na crise de 2008 os EUA colocaram 800 mil milhões de dólares para salvar os bancos americanos, mas o Estado americano pode imprimir dólares e desde então não parou de fazê-lo. Na zona Euro, com a impossibilidade de os Estados ligarem as rotativas, a salvação dos bancos é um jogo de soma zero. O dinheiro que vai para os bancos, ou fica a faltar no orçamento de Estado, ou vai ficar a faltar nos outros bancos. Ora, como estes nos últimos tempos só têm declarado prejuízos, se lhes for pedido que entrem com o dinheiro que o Estado meteu no Fundo, provavelmente ficarão tão mal como o BES ficou. O Fundo de Resolução pode acabar assim por funcionar por repartir o buraco do BES por toda a Banca. Resta saber se ela aguenta. Estão em causa 4.900 milhões de euros. Para se perceber a dimensão desse valor, faça-se o exercício de o converter em segundos. Um milhão de segundos são 12 dias, mas mil milhões de segundos já são 32 anos. 4.900 milhões de segundos são 156 anos.

 

Claro que há previsões optimistas que dizem que o Novo Banco pode ser vendido até ao fim do ano por esse valor. Devo dizer que isso me parece um sonho de uma noite de Verão. O BES valia na sexta-feira passada em bolsa cerca de 12 cêntimos por acção. Já perdeu a marca, que só por si valia 640 milhões, e com isso um investimento publicitário constante de há décadas. Alguma vez o anódino Novo Banco pode valer 4.900 milhões para um comprador? Só se aparecer Jesus Cristo e fizer um novo milagre da multiplicação dos pães, neste caso dos euros. Acrescentemos a isto a infinidade de lítigios judiciais que vão surgir contra o Novo Banco e mesmo contra o próprio Estado, como já se anuncia. É preciso não esquecer que a segurança do BES tinha sido garantida há menos de duas semanas pelo Governador do Banco de Portugal, pelo Primeiro-Ministro e pelo próprio Presidente da República. Não me parece muito fácil que o Estado consiga depois disto lavar as mãos como Pilatos dos prejuízos dos accionistas que ele próprio decidiu lançar às feras.

 

Angela Merkel, que pode ter muitos defeitos mas não é parva, já avisou que o caso do BES evidencia as fragilidades na zona Euro. Na verdade, o caso do BES constitui uma tempestade perfeita que atingiu Portugal. E enquanto isso o Primeiro-Ministro mantém-se tranquilamente de férias na praia. Mas, para falar a verdade, nem se tem notado a sua falta.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 08:25

Banco bom e Banco mau.

Segunda-feira, 04.08.14

O que foi anunciado ontem pelo Governador do Banco de Portugal, com o Primeiro-Ministro a banhos, constitui um verdadeiro filme de terror para toda a gente. À semelhança de 3 de Agosto de 1968, data em que Salazar caiu da cadeira, 3 de Agosto de 2014 pode muito bem ser o começo do dobre a finados do actual regime. Em primeiro lugar, parece absurdo considerar que os contribuintes não irão ser afectados por esta história. Na verdade, o tal Fundo de Resolução, que substituiria o Estado na recapitalização do Banco, não chega a ter 200 milhões de euros, pelo que só pedindo emprestado o dinheiro da troika se vai conseguir (re)capitalizar o banco bom em 4900 milhões. Dizem agora que depois pedirão o dinheiro aos restantes bancos, quer sob empréstimo, quer sob contribuição para o Fundo. Só que não acredito que haja quaisquer empréstimos e se o Fundo pedir o dinheiro aos restantes bancos arrisca-se a ter que os recapitalizar a seguir. Isto vai ser um círculo vicioso, que no fim o contribuinte acabará por pagar.

 

 

Em relação aos accionistas, a situação é absolutamente aterradora. Tinham investido num Banco, que até há dias as diversas autoridades garantiam estar absolutamente sólido, e agora são atirados um Banco mau, que corresponderá a uma espécie de Mr. Hyde da Banca, enquanto que o Banco Bom, o Dr. Jekyll, irá para outras paragens. Se alguém acha que depois disto há um único investidor que queira pôr um tostão que seja na Banca, está muito enganado. Mas em qualquer caso, prevê-se uma infinidade de processos judiciais, designadamente em torno dos activos que irão para um ou outro Banco.

 

Ao seu serviço: Dr. Jekyll.                        Ao seu serviço: Mr. Hyde.

 

Finalmente temos a situação dos depositantes, os que se visou proteger com esta operação. Não me parece que fiquem muito satisfeitos. Na verdade, o Banco em que tinham colocado as suas poupanças morreu ontem e o Novo Banco, nome que uma espantosa criatividade lhe atribuiu, precisará de ganhar credibilidade, o que nesta sociedade de mercado dificilmente um banco pertença do Fundo de Resolução conseguirá. No fundo, esse Banco, ou passa para os privados a curto prazo, ou estará brevemente envolvido no impasse que a experiência do BPN demonstra. Mas o BPN ainda tinha a vantagem de ter sido atribuído à CGD, uma instituição credível no sistema bancário nacional. Esta é uma solução absolutamente nova e as soluções novas geram desconfiança.

 

Porque se chama a isto um Banco mau? (Aqui podem lavar-se os erros dos Bancos). 

 

Poderia ter-se encontrado outra solução que não esta? Se calhar, não. O que não quer dizer que esta não esteja cheia de problemas e incógnitas. Uma coisa é certa: o mito da saída limpa do programa de ajustamento morreu ontem. E politicamente isso tem um impacto desastroso. 

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publicado por Luís Menezes Leitão às 09:25





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