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A viragem grega.

Quarta-feira, 28.01.15

Contrariando as perspectivas optimistas de rendição de Tsipras às posições de Merkel, os primeiros sinais que vêm da Grécia são muito elucidativos. Primeiro, o facto de o primeiro acto de Tsipras ter sido homenagear os gregos vítimas do nazismo, numa clara mensagem para Merkel que se prepara para levantar a questão das indemnizações não cobradas à Alemanha após a guerra. Logo de seguida Tsipras tem uma reunião com o embaixador russo, e nesse mesmo dia a Grécia bloqueia uma declaração conjunta dos países da União Europeia sobre a Rússia. Tsipras mostra assim urbi et orbi que o seu coração pende muito mais para Moscovo do que para Berlim. Tal pode significar uma alteração do posicionamento geo-estratégico da Grécia, um país da Nato com uma posição fulcral no Mediterrãneo Oriental, e que pode agora assumir-se como o cavalo de Tróia de Putin dentro da União Europeia.

 

No plano económico as primeiras medidas de Tsipras assemelham-se às do PREC: fim das privatizações, electricidade gratuita para 300.000 gregos e salário mínimo nos 751 euros. Os danos que isto vai causar na competitividade da economia grega são evidentes. Mas não me parece que isso preocupe os actuais governantes gregos. No Portugal de 1974 também o salário mínimo foi colocado em valores tão elevados que em termos reais nunca mais foram atingidos, o que, juntamente com as intervenções nas empresas, arrasou completamente a economia. Mas isso não fez perder um segundo de sono aos homens sem sono e muito menos a Vasco Gonçalves. Os dirigentes comunistas não se costumam preocupar com a saúde da economia capitalista e muito menos com os mercados, que já fizeram os juros gregos disparar e a bolsa cair a pique. Recorde-se que Mao-Tsé-Tung dizia: "Está um caos total debaixo dos céus. A situação é excelente".

 

O que me aborrece é que tudo isto era previsível e poderia ter sido evitado se não fosse a incompetência total na gestão da crise europeia por parte de Merkel e Barroso, naturalmente apoiados por Passos Coelho que acha tudo isto um conto de crianças. Mas os contos de crianças também ensinam algumas coisas: uma delas é que os génios podem ser perigosos quando são libertados da garrafa.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 17:02

A coligação dos extremos.

Terça-feira, 27.01.15

Antes mesmo de saber da coligação que viria a ser formada na Grécia, já tinha aqui escrito que o apoio de Marine Le Pen a Alexis Tsipras demonstrava a facilidade com que os partidos extremistas se aliam se estiver em causa o combate ao seu inimigo comum que é o projecto europeu. Toda a gente aposta que Tsipras vai chegar a acordo com Merkel, achando que esta no máximo lhe vai dar alguns amendoins para o calar, o que Tsipras anunciará como uma vitória, salvando assim a face. Não creio que isso aconteça. Da mesma forma que Fidel Castro preferiu aguentar um embargo americano que só agora termina, e que foi desastroso para Cuba, a ceder um milímetro que fosse aos Estados Unidos, Tsipras preferirá a catástrofe à continuação da humilhação da Grécia. E neste aspecto a escolha dos Gregos Independentes (ANEL) como parceiro de coligação, um partido de extrema-direita nacionalista e xenófobo, em lugar dos partidos de esquerda moderada, é elucidativa. No combate à troika e à própria União Europeia, quando o SYRIZA disser "mata", o ANEL dirá "esfola". As revoluções precisam de inimigos e o ódio que esta política europeia atiçou na Grécia é demasiado elevado para que se pense que vai tudo acabar em bem. Oxalá me engane.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 17:58

Verdadeiro serviço público.

Segunda-feira, 26.01.15

Acho inconcebível que esteja a passar despercebida aquela que considero, depois de Yes, Minister mas agora num registo sério, a melhor série de televisão alguma vez feita sobre política: Borgen, de segunda a sexta-feira na RTP2. Borgen, que significa castelo em dinamarquês, corresponde à designação comum do palácio de Christiansborg, sede do parlamento e do governo dinamarquês e lugar de trabalho do Primeiro-Ministro. A série relata a ascensão ao cargo de Primeira-Ministra da Dinamarca de uma jovem mulher, Birgitte Nyborg, que consegue montar uma coligação num parlamento dividido, oferecendo o apoio do seu partido na condição de ser designada Primeira-Ministra.

 

Neste âmbito, a série dá-nos um retrato extremamente realista dos meandros de um governo de coligação e das rivalidades entre os ministros, abordando mesmo os problemas pessoais e familiares que ocorrem a uma mulher que ascende a um cargo tão importante. E nem sequer falta a relação com a imprensa, mostrando como hoje a política passa muito mais pela influência sobre os media do que pelos debates parlamentares. Quase nunca vemos uma sessão parlamentar, mas passamos todo o tempo a ver o spin doctor Kasper Juul a manobrar os jornalistas como peças de xadrez.

 

O que achei curioso na série é a semelhança com a política portuguesa, mesmo sendo os países tão diferentes. Mas a série demonstra igualmente a humanidade e a fragilidade dos políticos que não há spin doctor que consiga esconder. Um dos episódios é sobre a nomeação do comissário dinamarquês, obrigando a Primeira-Ministra a conciliar a esse propósito simultaneamente conflitos no governo e no partido com as pressões do presidente  da comissão, que condiciona a atribuição de uma pasta importante à nomeação de alguém com peso político efectivo.  Mas quando a Primeira-Ministra consegue um nome que a todos satisfaz, o nomeado sofre um AVC quando lhe dizem que iria ser sujeito a um interrogatório de seis horas no parlamento europeu. Não há desígnio político que consiga superar a fragilidade humana dos protagonistas.

 

Esta série é um verdadeiro serviço público que a RTP2 nos proporciona.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 17:58

A grande ilusão.

Segunda-feira, 26.01.15

Perante a vitória mais que previsível do Syriza, imensos comentadores esforçaram-se por salientar que iria ficar tudo na mesma, com Angela Merkel a continuar a mandar na Grécia e Alexis Tsipras a vergar-se às posições alemães. No fundo é a repetição do velho TINA (There is no alternative) que até na Alemanha levou à criação de um partido radical Alternativ für Deutschland, que defende a saída imediata da Alemanha do euro. Parece-me um colossal erro de perspectiva. Tsipras é ambicioso, tem convicções ideológicas marcadas, tanto assim que até deu ao filho o nome do Che, e não vai querer ficar na história como o Hollande grego. Se seguir um padrão, será o de Lenine, que não hesitou em repudiar os compromissos russos, alegando que o novo estado soviético não tinha que os cumprir. E não me parece que neste momento os gregos encarassem mal uma declaração de bancarrota, pois provavelmente chegaram ao ponto em que acham que nada pode ficar pior do que já está. Os primeiros sinais que chegam, com Tsipras a proclamar que a austeridade acabou, e os eurocratas habituais a dizer que a Grécia tem que cumprir os seus compromissos levam a concluir que a ruptura é inevitável. Desiludam-se assim aqueles que julgam que tudo vai ficar na mesma.

 

Outros julgam, porém, que a bancarrota grega e a saída da Grécia do euro pode até ser positiva para os outros Estados-Membros que já se resguardaram para esta situação. Mais uma grande ilusão. A bancarrota grega terá um impacto mundial tão elevado que fará a queda do Lehman Brothers parecer uma brincadeira. E o resultado, a curto ou a médio prazo, será o descrédito do euro, com muito especulador a apostar qual é o próximo país a sair, com Portugal em excelente lugar na lista de apostas. 

 

Dir-se-á que tudo isto é irracional e que uma negociação séria permitirá limar arestas. Mas a verdade é que o comportamento dos Estados nem sempre é racional. Em 1914 ninguém de bom senso acreditaria que um crime político pudesse arrastar o continente europeu para uma guerra, mas de um momento para outro foi isso o que se passou. Em 2015 corremos o risco de assistir a uma bancarrota grega com ondas de choque inevitáveis em todo o continente. E julgo que agora é tarde para a evitar.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 08:13

Herzlichen dank mein lieber Freund.

Domingo, 25.01.15

Leio aqui que Angela Merkel vai homenagear Durão Barroso na próxima segunda-feira em Berlim. Trata-se de uma homenagem mais que merecida. À frente da Comissão Durão Barroso sempre esteve totalmente do lado das posições alemãs e contra os interesses dos países do Sul, incluindo daquele a que pertence. Como bem se escreve neste artigo: "Os dois líderes políticos estiveram juntos na pobreza e na austeridade, no desemprego e no crescimento da Europa, até que o fim do mandato de Durão, em outubro de 2014, os separou". Faz por isso todo o sentido que Merkel condecore Durão Barroso. Já que Cavaco Silva também o tenha feito, é mais difícil de explicar. O legado de Durão Barroso na Europa está à vista com o crescimento dos partidos radicais que ameaçam estilhaçar o projecto europeu. Aposto que, nas suas próprias imortais palavras, hoje vamos começar a ter o caldo entornado.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 12:44

A bordo do Titanic.

Terça-feira, 20.01.15

Parece claro que o ano de 2015 se arrisca a ser o ano que comprovará o falhanço definitivo do euro. Curiosamente o programa "quantitative easing", que parece vir a ter luz verde do Tribunal de Justiça da União Europeia, pode ser o teste decisivo que comprovará a inviabilidade do euro. Pelo menos vai inviabilizar qualquer tentativa dos outros bancos centrais em manter a paridade com o euro, que vai ter uma desvalorização clara. A Suíça já desistiu de manter a paridade entre o euro e o franco suíço, fazendo este apreciar-se para valores estratosféricos. E a Dinamarca pode ser obrigada ao mesmo, já que só baixando a taxa de juro para valores negativos consegue manter a paridade entre a coroa dinamarquesa e o euro.

 

Se esta depreciação do euro é positiva para os países da zona euro, não deixa de sinalizar alguma desconfiança, quer na economia da zona euro, quer no futuro da sua moeda. E neste caso, a saída da Grécia da zona euro, que a vitória anunciada do Syriza pode tornar inevitável pode ser o icebergue que afundará definitivamente este Titanic. É pena que a Alemanha, que tanto ganhou com o euro, não tenha compreendido a tempo útil que só partilhando esse ganho com os outros países poderia salvar a moeda única. Agora é tarde. Depois de o Titanic se romper, nada o pode fazer manter-se à tona de água.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 10:56

O medo e a coragem.

Quinta-feira, 08.01.15

Um dos ataques mais brutais à civilização ocidental é a criação de um clima de medo que acaba por condicionar a liberdade de expressão. O exemplo desse medo é a fotografia abaixo referida que encontrei na internet. Para ilustrar o ataque é exibido o jornal atacado, mas o órgão de informação recusa-se a exibir a caricatura de Maomé que o jornal tinha publicado.

 

É por isso que me parece de especial louvor a capa do i de hoje que o Pedro reproduz abaixo. Penso que foi o único jornal que se atreveu a quebrar um interdito que o medo está a criar: a interdição nas sociedades ocidentais, por natureza laicas, de representações do profeta Maomé. Os terroristas estão neste âmbito a criar através do medo uma censura implícita que os jornais consciente ou inconscientemente aceitam. O i não aceitou esse condicionalismo e com isso prestou uma muito melhor homenagem às vítimas do que a colocação de um fundo negro no jornal. Hoje por isso tive um grande orgulho em ser colunista do i.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 20:56

Grexit?

Terça-feira, 06.01.15

 

O grande problema da zona euro é a sua total falta de controlo democrático, o qual estaria necessariamente associado à criação de uma moeda sem Estado. Na verdade, nem sequer os órgãos da União Europeia, como o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, estão minimamente vocacionados para gerir esta zona, até porque a sua legitimidade eleitoral abrange quer os países que estão na zona euro, quer os países que ainda não aderiram a esta moeda. Assim sendo, as decisões acabam de ser tomadas apenas por um país: a Alemanha.

 

Até agora o que permitiu salvar o euro foi Merkel ter dado a entender que nenhum Estado-Membro abandonaria a moeda única, o que eliminou alguma desconfiança dos mercados nesta moeda peculiar. Mas Merkel nunca disse a palavra decisiva que os mercados tanto querem ouvir: que a Alemanha assumirá a dívida dos outros Estados-Membros, seja qual for a forma que revista essa assunção de responsabilidades. Não o fez porque a nível interno as consequências de dizer algo semelhante seriam catastróficas para a popularidade do seu governo, uma vez que em termos económicos o euro está a ser um excelente negócio para a Alemanha, mesmo que esta tivesse que intervir em auxílio dos Estados do Sul. Já a imposição de uma austeridade extrema aos "preguiçosos do Sul" agrada aos alemães, que nunca viram com bons olhos a irresponsabilidade na gestão das contas públicas, de que o nosso disparatado investimento no TGV é um bom exemplo.

 

O problema deste raciocínio é que é necessário que os governos colaborem com a austeridade, o que até agora tem acontecido com os governos dos Estados do Sul a acatarem atentos, veneradores e obrigados, os ditames de Merkel. Mas, pelos vistos, depois de medidas de austeridade cada vez mais extremas, os gregos chegaram ao ponto em que já não aguentam e estão dispostos a levar o Syriza ao governo. Merkel já está absolutamente farta desta deriva grega e prepara-se por isso para não aceitar qualquer chantagem de Alexis Tsipras e indicar à Grécia a porta da saída do euro. A Comissão Europeia já apareceu a protestar e a proclamar irrevogável a presença no euro. Mas os portugueses já aprenderam o significado dessa palavra em política. E depois dos dez anos da presidência de Barroso, já todos sabem que a Comissão Europeia nada manda na Europa.

 

A questão é que a saída da Grécia, com a natural bancarrota associada, lançará um descrédito mortal sobre os outros países do Sul e sobre o euro em geral, podendo levar ao colapso definitivo da moeda. Não parece, porém, que neste momento Tsipras e Merkel se preocupem com as consequências. Cada um deles parece mais apostado em levar a água ao seu moinho. Parece que voltámos à velha política de Mao Tsé-Tung: "Há um caos total debaixo dos céus. A situação é excelente". Bom ano de 2015.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 07:17





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