Conversa em família.
Marcello Caetano, Março de 1974
António Costa, Fevereiro de 2016
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O cocheiro frustrado.
Não há nada de que eu mais goste de que assistir a ex-políticos, que falharam rotundamente quando estiveram em funções, mas que mais tarde se permitem, do alto do seu estatuto senatorial, tecer comentários críticos sobre quem lhes sucedeu. Provavelmente essas críticas devem ter imenso efeito nas pessoas mais novas ou em gente desmemoriada. Para quem se lembra dos tempos em que eles exerceram funções, como é o meu caso, confesso que o descaramento me espanta.
Balsemão foi primeiro-ministro entre Janeiro de 1981 e Junho de 1983, tendo sucedido a Sá Carneiro, após a sua trágica morte a 4 de Dezembro de 1980. Herdou uma maioria absoluta no parlamento, resultante de duas vitórias eleitorais sucessivas de Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Apesar disso, foi absolutamente incapaz de assegurar um governo estável, tendo-se demitido por duas vezes do cargo de primeiro-ministro, em virtude de meras críticas internas. Da segunda vez, a pretexto de "se ir dedicar ao partido", resolveu apresentar um primeiro-ministro interposto, Vítor Crespo, que tratou de arranjar um governo de segundas linhas. Freitas do Amaral, vendo o que se passava, demitiu-se a correr de todos os seus cargos políticos. Com o país em estado de choque, só o Presidente Eanes resolveu o assunto, rejeitando o governo proposto e dissolvendo o parlamento. O governo de Balsemão deixou o país em tal estado que, a seguir, o PSD viu-se forçado a aceitar um governo de bloco central com o PS, presidido por Mário Soares, que chamou imediatamente outra vez o FMI.
É espantoso que, tendo este currículo governamental, Balsemão se permita dizer que Passos Coelho é um "cocheiro frustrado" "com os cavalos um pouco cansados". Eu pessoalmente tenho sido muito crítico de Passos Coelho, mas reconheço que foi primeiro-ministro na situação mais difícil que Portugal atravessou desde o 25 de Abril e conseguiu levar o barco a bom porto, resolvendo todas as tormentas que surgiam. Qualquer comparação com Balsemão é arrasadora para o próprio Balsemão. Basta lembrar a maneira como Passos Coelho segurou Portas, quando ele quis fugir do governo, ao contrário do próprio Balsemão, que não só se demitiu duas vezes, como deixou Freitas do Amaral dar às de Vila Diogo.
O futuro político de Passos Coelho depende de conseguir ultrapassar ou não a situação política nova que António Costa lhe criou. Mas, venha ou não a ter sucesso, nunca será um "cocheiro frustrado", pois soube conduzir o coche na perfeição na altura em que foi primeiro-ministro. O mesmo não se pode dizer de Balsemão, pelo que, se esse epíteto assenta a alguém como uma luva, é a ele próprio.
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A era dos extremos.
As esmagadoras vitórias de Donald Trump e Bernie Sanders no New Hampshire são um factor de preocupação para a corrida presidencial norte-americana e demonstram que neste conturbado séc. XXI corre-se cada vez mais o risco de os discursos extremistas sairem vencedores.
Sempre julguei que a campanha americana ia decidir-se entre Jeb Bush e Hillary Clinton e, neste cenário, apostava na vitória do primeiro. A razão foi uma impressão com que fiquei depois de uma visita a Washington no tempo da presidência de Bill Clinton, talvez o melhor presidente dos EUA de que tenho memória. Nessa altura assisti a uma manifestação em frente à Casa Branca que naturalmente julguei ser contra o Presidente. Mas não. Era contra Hillary Clinton, a Primeira-Dama. Perguntei os motivos da manifestação e os meus colegas americanos responderam-me: "Ela usa a posição de Primeira-Dama para se ingerir na política. Isso nunca aconteceu até agora e ninguém está disposto a aceitar que aconteça".
Desde essa altura que me convenci que Hillary Clinton tinha demasiados anti-corpos nos eleitores americanos para conseguir ganhar uma eleição. Não fiquei por isso nada espantado quando ela perdeu a nomeação para Barack Obama, um perfeito desconhecido na altura, e cuja mensagem era precisamente apenas "Hope". Pelos vistos vai também perder a nomeação para Bernie Sanders.
A dúvida, no entanto, é que, se vier a verificar-se um confronto Trump-Sanders, os americanos estão metidos num grande sarilho. Ver dois candidatos radicais a disputar o cargo mais poderoso do mundo, é um cenário digno dos nossos maiores pesadelos. Que mais nos poderá acontecer?
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O pregador evangélico.
António Costa resolveu justificar o brutal aumento de impostos que decretou, com apelos à luta contra o vício e o pecado. É assim que este pregador evangélico recomenda aos seus fiéis que "usem mais transportes públicos", "deixem de fumar" e "moderem o recurso ao crédito". Já se sabia do ódio cego que António Costa nutre aos automóveis, desde que na Câmara de Lisboa a única coisa que fez foi criar barreiras à circulação, com os resultados que estão à vista. O que não se sabia é que, além de querer reduzir os portugueses a simples peões, ainda pretende que os mesmos sejam isentos de vícios e poupadinhos. Atreves-te a fumar? Pagas mais imposto. Queres um crédito ao consumo? Pagas ainda mais, que o Estado também quer consumir.
Não é novidade nenhuma o lançamento de impostos sobre o vício e o pecado. O que já é novidade é o descaramento do discurso moralista que lhes está associado. Mas, se bem conheço os vícios do Estado, ainda acabarão, como no Yes, Prime Minister, a louvar os fumadores, declarando que são benfeitores nacionais, já que sacrificam a sua vida e saúde a bem da receita fiscal, morrendo cedo, o que ainda permite poupar na segurança social. É pena que este discurso moralista não seja aplicado aos gastos do Estado. Cobrar tantos impostos para sustentar o despesismo público em verdadeiros disparates, como a segunda rotunda do Marquês, não será um vício muito maior?
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Um erro colossal.
Em política a mensagem tem que ser muito clara e totalmente credível. Esta mensagem da recandidatura de Pedro Passos Coelho à liderança do PSD é tudo menos isso. O desenho e o slogan "Social-Democracia sempre" remetem-nos para os tempos iniciais do PPD que, nos idos do PREC, propunha a social-democracia como tímido contraponto ao socialismo, que todos os outros partidos sustentavam. Na altura até o CDS reclamava defender um "socialismo personalista".
O problema é que esta imagem e este slogan fariam sentido numa candidatura de Pacheco Pereira à liderança do PSD. Numa candidatura de Passos Coelho não fazem sentido absolutamente nenhum. Quem andou nos últimos quatro anos a dizer que o actual Estado Social é insustentável e que os contribuintes já não o conseguem suportar, não pode agora andar a proclamar "Social-Democracia sempre" e a recordar os tempos iniciais do PPD. Primeiro, essa recordação só fará sentido para pessoas com mais de 50 anos, já que a todos os outros nada dirá. Depois, se há imagem que Passos Coelho conseguiu construir foi a de alguém realista e que não iludia as dificuldades presentes que o país atravessa. Apresentar uma imagem mirífica de regresso a um tempo em que tudo parecia possível representa uma contradição total, o que só pode confundir os eleitores. E estes estão preocupados é com a realidade muito concreta da situação económica do país, que ameaça desabar a qualquer momento.
Por outro lado, o discurso de Passos Coelho também está a ser um desastre em termos políticos. Passos Coelho não consegue sair da amargura de repetir sucessivamente que "não só não governa quem ganhou as eleições como governa quem as perdeu", o que, sendo a mais pura das verdades, não deixa de representar alguém incapaz de virar a página. Apresentar como principal conteúdo da sua mensagem política o de que "não falhámos" e que "este é o passado com que me apresento" é estar focado no passado e não no presente.
Só que o presente não é ser primeiro-ministro, mas líder da oposição. E se no passado Passos Coelho foi um bom primeiro-ministro, não foi seguramente um bom líder da oposição, já que foi incapaz de travar o caminho de Sócrates em direcção à bancarrota, tendo-lhe dado a mão vezes excessivas. É aliás o que está agora outra vez a fazer com António Costa, não se compreendendo como é que alguém pode dizer "não acredito na solução de Governo actual", para depois ser quem lhe salva o orçamento rectificativo.
Passos Coelho começa a parecer-se perigosamente com Al Gore, que venceu o voto popular nas eleições dos Estados Unidos, mas não conseguiu impedir que George W. Bush chegasse à presidência, já que teve mais votos no colégio dos grandes eleitores. Al Gore foi incapaz de seguir em frente, e mesmo depois do colapso da presidência de George W. Bush, com Al Gore ninguém mais contou.
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A confusão ideológica do PS.
Vital Moreira tem toda a razão quando diz que este reposicionamento ideológico do PS é a mais importante viragem política desde que Mário Soares decidiu pôr o socialismo na gaveta. A dúvida, no entanto, é para onde vai o PS com esta viragem ideológica. É que se à primeira vista parecia que o PS se tinha transformado no primeiro Syriza, com Mário Centeno a fazer a figura de Yanis Varoufakis junto da Comissão Europeia, sempre a anunciar um acordo que, pelos vistos, é uma miragem, a última entrevista de Porfírio Silva aproxima o PS da direita nacionalista. Quando Porfírio afirma que "corremos o risco de a Europa se transformar numa URSS sem KGB", está a repetir uma afirmação que foi proferida vezes sem conta por membros do UKIP, como Vladimir Bukovski, ou Roger Helmer. Para além do risco de ter uma acusação de plágio, resta saber qual será o próximo passo do PS, se a Comissão Europeia, como tudo indica, lhe rejeitar o orçamento. Iremos assistir a uma proposta de Portexit, imitando igualmente o Brexit inglês? Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos. Em qualquer caso, é evidente que esta salada ideológica em que o PS se meteu lhe vai custar muito caro.