O incendiário.
Na resolução do BES o Estado meteu 3,5 mil milhões de euros, que "emprestou" ao Fundo de Resolução, confiando em que o nosso pujante sistema bancário devolveria o dinheiro. Não só não devolveu nada, como agora o Novo Banco precisa de reforçar o capital em mais 1,4 mil milhões de euros. Como se isto não bastasse, surgiu entretanto a necessidade de resolução do BANIF que custou 3 mil milhões de euros. A isto há que acrescentar as necessidades de recapitalização da CGD que serão no mínimo de 5 mil milhões de euros.
Perante este cenário claro, Schäuble fez uma declaração, que eu até acho simpática, a dizer que Portugal precisa de um novo resgate e que estaria em condições de o ter. A seguir lá lhe puxaram as orelhas, e voltou atrás dizendo que Portugal não vai precisar de qualquer resgate se cumprir as regras europeias que obrigam à consolidação orçamental e à redução do défice. Eu traduzo: Portugal não precisará de resgate se tiver condições para ter um orçamento equilibrado, o que manifestamente não vai ter.
Mas entretanto lá surgiu o inevitável João Galamba, a acusar Schäuble de ser incendiário, já que Portugal não precisaria de resgate algum. Só falta agora explicar onde é que vai o país buscar o dinheiro para recapitalizar os bancos. Vai continuar a endividar-se no mercado? Com a dívida que já temos, é a garantia que a breve trecho os mercados se fecham. Vai ligar as rotativas? Enquanto estiver no euro, isso não é possível. É por isso manifesto que o segundo resgate é a única solução. Por isso fariam melhor em ouvir Schäuble, em vez de continuar a viver num mundo de ilusão. Schäuble não pega fogo às finanças da Alemanha, que estão fortes e pujantes. O mesmo já não posso dizer do actual governo português.
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Porreiro, pá!
Grande parte dos sarilhos que a União Europeia está agora a atravessar deve-se ao Tratado de Lisboa, que constituiu uma forma encapotada de impor aos cidadãos a mesma Constituição europeia que tinha sido estrondosamente rejeitada em referendo na França e na Holanda. Na altura Sócrates e Barroso alinharam nessa mascarada vergonhosa, através da qual os líderes europeus fizeram questão de tomar os seus próprios cidadãos por parvos. Agora Sócrates, como se nada tivesse a ver com o assunto, escreve um artigo a criticar o défice democrático da União Europeia, a que chama "o desencantamento". Eu chamar-lhe-ia antes "o descaramento". O Tratado de Lisboa foi exigido pelos Estados grandes para lhes permitir manter a maioria no Conselho, mesmo depois das sucessivas adesões de novos países à União Europeia. Sócrates aplicou escrupulosamente a receita que lhe encomendaram e agora queixa-se de défice democrático? Só para rir.
O resultado desta cegueira europeia está bem à vista no discurso triunfante de vitória de Nigel Farage no Parlamento Europeu. Descontando a agressividade e os insultos, há uma coisa em que Farage tem razão: o motivo pelo qual os ingleses votaram pelo Brexit foi precisamente pelo facto de lhes terem imposto pela fraude uma união política, sem o mínimo cuidado de assegurar o consentimento dos povos. E agora, perante o falhanço total desse projecto, com a moeda europeia a revelar-se um desastre para os países do Sul, a União Europeia vive em estado de negação, persistindo em nada fazer. E a única coisa que os seus apoiantes têm para dizer é que a integração europeia assegurou 70 anos de paz na Europa. O Império Romano também assegurou 400 anos de paz na Europa e acabou por cair às mãos daqueles que dominava.
O projecto europeu de Schumann e Monet sempre assentou na construção da unidade europeia através de pequenos passos. Desde o falhanço da Comunidade Europeia de Defesa em 1953 que se sabe que é um risco enorme avançar precipitadamente em projectos de integração que não têm garantido o adequado consenso. No caso do Tratado de Lisboa sabia-se perfeitamente que não só não havia consenso, como havia uma vontade popular clara no sentido da sua rejeição, como ficara demonstrado pelos referendos negativos à constituição europeia. Avançou-se ainda assim e hoje os resultados estão à vista. Quando se fizer a história do início do fim do projecto europeu é a imagem de cima que ficará.
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A Europa em colapso.
Há uma coisa que as pessoas não querem entender e que é que os povos votam de acordo com os seus interesses. Já Lord Palmerston dizia que a Inglaterra não tinha amigos permanentes nem aliados perpétuos. O que sempre teve foi interesses permanentes e perpétuos. Por isso as decisões políticas em Inglaterra sempre se basearam nos interesses do seu povo e não nos dos povos alheios.
Foi precisamente isso o que fizeram os ingleses ao votarem pelo Brexit. Não votaram assim porque preferiram os mauzões eurofóbicos apoiantes de Farage e companhia aos jovens cultos de Cameron, que aspiram a percorrer a Europa. Votaram assim porque entendem que o Reino Unido não tem neste momento na Europa o peso e a influência que deveria ter. E o resultado não foi apenas a consequência de uma luta interna no Partido Conservador, mas sim de cidadãos comuns que votam de acordo com os seus interesses. O Partido Trabalhista descobriu com surpresa que nos seus bastiões eleitorais a votação pelo Brexit foi esmagadora.
Diz-se que a consequência disto pode ser a saída da Escócia do Reino Unido. Sempre fui favorável à independência da Escócia, mas se alguém está convencido que um novo referendo escocês implica a permanência da Escócia na União Europeia está muito enganado. O que está nos Tratados é que um Estado só adere à União Europeia com o acordo unânime dos seus membros e a Espanha nunca deixará a Escócia entrar na União Europeia, uma vez que tal seria um precedente para a entrada da Catalunha. Mais uma vez, da mesma forma que a Inglaterra, a Espanha só tem interesses.
É por isso que enquanto houver gente convencida de que a União Europeia pode funcionar gerida por um Conselho onde os Estados grandes têm maioria assegurada e vão lá apenas para defender os seus interesses, a que os pequenos se submetem, a Europa nunca se reformará. O resultado disto é termos um pateta como Presidente do Conselho Europeu, que está convencido de que uma frase de Nietzsche é da autoria do pai dele. Ou a União Europeia se reforma ou caminha para o colapso. Ao contrário do que Juncker declarou antes de sair a correr da sala, isto é mesmo o princípio do fim.
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Brexit.
Desde há muito tempo que me parecia que a União Europeia caminhava para o desastre. Na verdade, nunca passou de uma construção de burocratas, feita completamente à margem dos eleitores. Quando alguém falava em referendar os avanços na construção europeia, diziam-lhe que a democracia representativa era suficiente. Quando um país rejeitava em referendo esses avanços, diziam-lhe que tinha que repetir o referendo até dar o resultado que Bruxelas queria. E o que Bruxelas queria era sempre uma espécie de União Soviética, com os povos amarrados a uma estrutura muito pouco democrática, cujas decisões tinham que aplicar cegamente. E se essas decisões de Bruxelas afrontassem a constituição do país, ele era até obrigado a mudar a sua constituição.
Tudo isto foi muito bonito, enquanto houve dinheiro a rodos para distribuir. Quando o dinheiro acabou, os países perceberam a armadilha em que tinham caído. Não têm moeda, não têm soberania, e nada podem decidir, tendo que aplicar cegamente as decisões europeias, por muito maus resultados que as mesmas dêem. E se esses resultados não chegarem, até podem ser sujeitos a sanções por terem feito o que lhes mandaram.
Havia, porém, um país que, devido à brilhante intervenção da Senhora Thatcher, soube sempre se colocar fora deste disparate. O Reino Unido conservou a libra, estabeleceu sempre uma série de opt-outs, e servia de claro contraponto à dominação alemã da Europa. Apesar disso, decidiu sair, confirmando a regra de que quando os povos são perguntados sobre se estão interessados em manter-se neste absurdo, a resposta é sempre um rotundo "não". No caso inglês a explicação é simples: o país não tem uma constituição escrita, e a sua estrutura assenta na soberania do parlamento britânico. Por isso nunca os eleitores britânicos aceitariam ter um parlamento subordinado à União Europeia. Outros países aceitam facilmente mudar as suas constituições em obediência a Bruxelas, o Reino Unido não.
Mas, se alguém pensa que isto vai ser um caso isolado, está bem enganado. Ao Reino Unido seguir-se-ão muitos outros países, onde vão aparecer posições políticas, propondo como alternativa à austeridade perpétua a saída da União Europeia. Um deles pode ser já a França, caso Marine Le Pen vença as eleições presidenciais. E aí a União Europeia terá o mesmo destino da União Soviética, com os países a sair um a um, até os burocratas perceberem que já nada mais têm para gerir.
Os defensores do Brexit estão eufóricos e dizem que este é o dia da independência britânica. Para mim é um dia triste, o do colapso da União Europeia. Mas também acho que a União Europeia só tem que se queixar de si própria. Esta construção é a de um gigante com pés de barro. Enquanto não existir uma democracia a sério na União Europeia, o seu colapso total é inevitável.
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Bom negócio!
As relações entre a Câmara de Lisboa, gerida pelo seu actual Presidente, Fernando Medina, e o governo, gerido pelo seu ex-Presidente, António Costa, continuam um verdadeiro mimo. Agora os dois vieram, com pompa e circunstância, na passada sexta-feira anunciar que o Estado vai ceder à Câmara por 50 anos 30.000 m2 da Ala Sul da Manutenção Militar no Beato, para se criar "uma das maiores incumbadoras de empresas da Europa". Infelizmente não há sequer qualquer plano a explicar como é que isso vai ser conseguido, mas tal não impede que se faça desde já a cerimónia. Afinal de contas, o plano estará concluído "até ao final do ano". E por isso o autarca nem sequer "arrisca dizer quando começará a funcionar esta “polaridade de desenvolvimento das indústrias do século XXI”". Se calhar no séc. XXII…
Mas aos mais preocupados com as finanças públicas — que gente horrorosa! — António Costa frisou que a câmara vai pagar sete milhões de euros para ficar com este imóvel durante 50 anos. “Não há encontros às nove da manhã à borla”, disse com humor, referindo-se à hora para a qual estava marcada a cerimónia desta sexta-feira.
Vamos então ver as contas que fez o Senhor Primeiro-Ministro para celebrar tão bom negócio, e pelo qual até se disponibilizou para se levantar de madrugada. O Estado recebe sete milhões de euros para ceder um imóvel em Lisboa, com a área de 30.000 m2, pelo prazo de 50 anos. Se estão em causa 50 anos estamos a falar de 600 meses, pelo que se calculássemos isto em termos de renda teríamos a módica quantia de € 11.666,67 por mês. O preço locativo não corresponde assim sequer a um euro por metro quadrado, ficando-se pelos meros € 0,39. Quem é que consegue obter estes preços locativos em Lisboa? A Câmara, com certeza. E quem é o proprietário tão generoso que disponibiliza os seus imóveis, sem sequer receber €0,40 por metro quadrado? O Estado, com certeza. Não vale a pena por isso ninguém andar preocupado com as finanças públicas do país. Já se percebeu muito bem o que é que a casa gasta.
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Vocação oculta.
Há uma coisa que se pode dizer dos políticos da nossa terra: Têm todos uma enorme vocação oculta para serem banqueiros ou construtores civis. Vá lá saber-se porquê.
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Muhammad Ali (1942-2016)
Nasceu Cassius Clay e foi com esse nome que se tornou famoso no mundo do boxe. Não hesitou, porém, em mudar de nome quando se converteu ao islamismo, essencialmente por influência de Malcom X, que também tinha abolido o seu apelido. Clay era um apelido herdado do patrão de escravos e ele queria usar um nome livre. Por isso obrigou o mundo inteiro a tratá-lo por Muhammad Ali.
Ali não era apenas um puglista. Era também um activista político, que gostava de marcar com clareza as suas posições. Em 1967 recusou-se a combater no Vietname, dizendo que nada tinha contra os vietnamitas, já que nenhum deles alguma vez lhe tinha chamado Nigger. Por isso expulsaram-no do boxe e chegaram a condená-lo a uma pena de prisão, mas Ali voltaria a retomar a carreira, anulando a condenação. Os seus combates de 8 de Março de 1971 com Joe Frazier (Fight of the Century), de 24 de Janeiro de 1974 com George Foreman em Kinshasa (Rumble in the Jungle) e de 1 de Outubro de 1975 em Manila, novamente com Joe Frazier (Thrilla in Manila) marcaram a história do boxe.
Ali tinha uma profunda vaidade, considerando-se sempre o maior. E para mim, quando acompanhei durante a minha adolescência os seus combates de boxe, era-o efectivamente. O seu estilo de combate era demolidor e ele próprio o definiu: pairava como uma borboleta e picava como uma abelha. Por isso lembro-me perfeitamente do choque que sofri quando num dia de 1978 o vespertino A Capital surge com a primeira página a dizer "Rei Ali derrotado por Spinks". Para mim era inconcebível que um gigante como Muhammad Ali pudesse ser derrotado por um pugilista menor, que num único combate lhe roubou todos os títulos do boxe.
O mito acabou aí. Muhammad Ali ainda voltaria a combater com Spinks, recuperando o título, mas, em lugar de se retirar, insistiu em defrontar Larry Holmes. Nessa altura, antecipei o que se iria passar. Holmes aconselhou Ali a retirar-se em glória, mas ele insistiu em combater e continuou com a gabarolice do costume, garantindo que iria esmagar Holmes. Na altura apareceu de bigode e inventou um terceiro nome para si próprio ("Dark Gable"), que nunca pegaria. Mas em 3 de Outubro de 1980, no Caesars Palace em Las Vegas, num combate que ficou conhecido como The Last Hurrah, Ali seria derrotado ao 10º round. Nessa altura já eram evidentes os primeiros sinais da doença de Parkinson, tanto assim que Ali foi obrigado pela Comissão de Boxe do Nevada a fazer um exame neurológico na Clínica Mayo, mas apesar disso, numa decisão muito criticada a Comissão autorizou o combate. E como não poderia deixar de ser, o resultado foi que Larry Holmes trucidou Muhammad Ali.
Ali passaria o resto da vida a lutar contra a doença de Parkinson. Para uma pessoa como ele, que achava que vencia sempre e para quem o impossível não era um facto mas uma opinião, até o Parkinson poderia ser vencido. Chegou a dizer: "Quem é esse Parkinson, a quem ganhou e em que livro de recordes está?". Nos restantes anos da sua vida ficaria a conhecer muito bem esse adversário e de facto combateu-o até à exaustão. Ontem perderia finalmente o combate da sua vida, mas ficou a lenda do maior pugilista de todos os tempos.
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Trocadilho fácil.
Depois desta notícia, temos a certeza que no próximo ano Rui Vitória vai ser um verdadeiro Deus no campeonato, já que vai estar entre o Jesus e o Espírito Santo.
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Brexit.
Sempre me considerei eurocéptico, mesmo quando políticos, como Pacheco Pereira ou Freitas do Amaral, que hoje dizem da União Europeia o que Maomé não disse do toucinho, faziam intensamente campanha pela ratificação do Tratado de Maastricht, como é óbvio sem referendo, porque as elites iluminadas nunca querem ouvir os cidadãos. Para mim a União Europeia nunca passou de um processo para conseguir que os Estados pequenos fossem absorvidos pelos grandes, e que estes por sua vez se subordinassem ao eixo franco-alemão. Neste momento, esse objectivo foi plenamente conseguido. Quando o Presidente da República, num verdadeiro acto de vassalagem, vai a Berlim pedir que não haja sanções a Portugal, fica-se a saber quem verdadeiramente manda na Europa e como as instituições europeias não passam neste momento de um verbo de encher.
É por isso compreensível que o Reino Unido neste momento esteja a equacionar seriamente a saída da União Europeia. A acontecer, não será novidade nenhuma. A Gronelândia também já saiu num referendo, levando a que nessa altura a então CEE tivesse perdido metade do seu território. Mas a Gronelância é uma pequena economia, cuja saída não teve grande impacto. Já o Reino Unido é a quinta economia do mundo e a sua saída terá um impacto devastador, não apenas para a Europa, mas também para o mundo em geral. Mas apesar disso, o povo britânico está profundamente dividido, com os jovens a encarar seriamente a saída, enquanto que os mais velhos optam pela continuação.
Pessoalmente, se fosse britânico, não votaria pela saída do Reino Unido da União Europeia. Em primeiro lugar, o Reino Unido conseguiu um opt-out numa série de matérias, incluindo a não participação no euro, o que leva a que a participação na União Europeia lhe seja mais benéfica do que prejudicial. Se saísse, ficaria na mesma posição da Noruega, que tem que adoptar todas as directivas europeias para comerciar com o espaço europeu, mas não participa no processo de decisão. Por outro lado, há partes do país, como a Escócia, que são fortemente contrárias à saída, pelo que, a concretizar-se esta, poderia conduzir a breve trecho à dissolução do país.
Mas o povo britânico é muito cioso da sua independência, e a verdade é que a União Europeia está há muito tempo transformada numa organização que só serve à Alemanha, que goza calmamente dos seus excedentes, enquanto o resto da Europa todos os dias definha. É por isso fácil à campanha do Brexit continuar a apresentar o estatuto especial britânico como um caso de dominação, como se vê no cartoon abaixo.
O que se deve, por isso, perguntar é o seguinte: Se os ingleses, apesar de todo o estatuto especial que conseguiram, se vêem como meros vassalos europeus, o que dirão então os portugueses? Seja qual for o resultado do referendo, é bom que o mesmo sirva para se perceber que a União Europeia tem que levar uma grande volta. Como está, não pode continuar.