Conhecer D. Afonso Henriques.
Leio aqui que "os reis de Espanha, Felipe VI e Letizia, estão em Portugal e foram recebidos com pompa e circunstância pelas altas entidades e pelo povo, em Guimarães, no Porto e em Lisboa. Na Cidade Invicta disputaram selfies com o Presidente da República, e Marcelo Rebelo de Sousa levou-os a conhecer D. Afonso Henriques". Calculo que D. Afonso Henriques, ainda jovial, apesar dos seus 907 anos de idade, actualmente a residir num Lar da Terceira Idade do Porto, se terá manifestado encantado em conhecer tão ilustres personagens. A pensar em retribuir a iniciativa, D. Felipe VI deve ter referido a Marcelo Rebelo de Sousa não ter a certeza se o primeiro Rei de Espanha, D. Pelayo, ainda era vivo, uma vez que já deveria andar pelos 1300 anos de idade, mas prometeu tudo fazer para o encontrar.
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Tristes tempos!
Ainda sou do tempo em que na escola primária se ensinava a verdadeira tragédia nacional que foi o desastre de Alcácer-Quibir, que implicou que a Coroa de Portugal viesse a ser herdada dois anos mais tarde por Filipe II de Espanha. Seguiram-se 60 anos de decadência nacional, com Filipe III e Filipe IV, em que o país quase se converteu numa província espanhola. Só escapámos a esse destino graças ao heroísmo dos conjurados do 1º de Dezembro de 1640, que voltaram a colocar no trono um Rei português, D. João IV. Na altura ensinavam-nos na escola que por esse motivo é que celebrávamos o 1º de Dezembro, data da restauração da nossa independência.
Passados mais de 370 anos sobre essa data, tive ocasião de assistir à vergonha de ver um primeiro-ministro português decretar a abolição desse feriado. Este ano voltou a ser reinstituído mas, na véspera do mesmo, assiste-se à visita de outro Filipe, desta vez o VI, que pelos vistos a população do Porto entende que deve ser recebido com gritos de "Viva o Rei!", enchendo-se a cidade com bandeiras espanholas, como se estivéssemos em Madrid. Estou convencido de que nem em Barcelona ou em Vigo o Rei de Espanha seria recebido assim. Pelos vistos, há muita gente em Portugal que perdeu de vez, não só o orgulho nacional, como também a própria noção do ridículo. Tristes tempos, na verdade!
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Reacções à morte de El Comandante.
Marcelo Rebelo de Sousa: Sofri uma enorme perda. Ele era para mim um amigo do peito. Ainda há poucos meses estivemos juntos em amena cavaqueira. Nunca me esquecerei dos conselhos que na altura me deu.
Eduardo Ferro Rodrigues: Ele, sim, compreendeu o que era a democracia parlamentar. Deveríamos seguir os seus ensinamentos.
Augusto Santos Silva: Era claramente um homem da nossa família política, que a história avaliará, como vai avaliar o nosso governo da geringonça. Por isso daqui enviamos condolências a toda a família enlutada.
Jerónimo de Sousa: Ficámos órfãos. Mas vamos continuar a prosseguir a luta no percurso que ele nos indicou.
Assunção Cristas: Era uma figura controversa, mas professava como nós o radicalismo do amor. Por isso a morte do camarada Fidel representa uma grande perda para toda a democracia cristã.
Donald Trump: Quem diabo era afinal Fidel Castro?
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O nível dos debates parlamentares.
Confesso que me preocupa o nível a que estamos a assistir nos debates parlamentares, de que o episódio de hoje é um excelente exemplo. Em vez de se fazerem artigos de fundo como este sobre a crise das instituições a propósito da eleição de Trump para a presidência, talvez as pessoas devessem encarar as coisas de um modo muito simples: quando as instituições não se dão ao respeito não podem esperar ser respeitadas. E quando um governante vai ao parlamento achincalhar os deputados perante quem responde, recebendo apenas uma advertência suave do presidente da assembleia, atingimos o grau zero da dignidade política. Hoje António Costa brincou com o facto de José Sócrates lhe ter chamado um líder em formação, mas talvez pudesse aprender alguma coisa com ele. É que José Sócrates levou apenas alguns minutos a demitir um dos seus ministros quando este fez um gesto insultuoso a um dos deputados no parlamento.
Mas infelizmente esta forma de os governantes estarem no parlamento, um órgão de soberania que deveria exigir respeito e compostura, não é um exclusivo português. Em países como o Reino Unido também se vê os governantes a gozarem com os deputados. Depois admiram-se com o descrédito das instituições.
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Tradução.
Afirma Marcelo que "em Portugal há em cada esquina um constitucionalista e um especialista de estatísticas". Eu traduzo: Não vou deixar a Constituição ou as estatísticas perturbarem as minhas viagens ao estrangeiro. A próxima é já ao Egipto.
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O anti-semitismo em Portugal.
Julgava que no meu país as pessoas tinham respeito pelos outros e não alinhavam em discursos de ódio e em actos de intimidação. Mas parece que afinal há um partido, que está praticamente no governo, que considera normal apelar a um restaurante para que não participe num evento culinário internacional em Israel. E quanto o restaurante decide apesar disso participar nesse evento, tem como resposta a vandalização do seu espaço, que esse partido qualifica apenas como acção directa. Isto porque o apelo anterior tinha sido uma "acção indirecta alimentada por cartas educadas a apelar para que Avillez não participasse". Já se fica assim a saber o que acontece a quem não se deixa intimidar por este tipo de "acção directa" que este partido apoia, a fazer lembrar outras "acções directas" de triste memória. E também ficamos a saber o tipo de partidos que António Costa colocou em Portugal como sustentáculo do seu governo. Porque não haja ilusões: a imagem que está acima não é muito diferente da que está abaixo.
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As redes sociais contra o jornalismo.
É uma verdade absoluta que a campanha de Trump demonstrou o poder das redes sociais contra o jornalismo tradicional. Enquanto os media tradicionais barraram completamente Trump, ridicularizando e tornando-o anedótico, e só falando do avanço triunfal de Hillary Clinton, Trump utilizou as redes sociais para fazer passar a sua mensagem, como demonstra o vídeo aqui exibido. E essa mensagem foi clara: vamos recuperar o nosso país de novo, que foi tomado por uma elite criminosa, de que os Clinton são o maior exemplo. A mensagem não passa de um arremedo da teoria da conspiração, mas o facto de ser ignorada pelos media e pela sua adversária só facilitou a vitória de Trump. A primeira regra na política é a de que não se pode subestimar os adversários. E, ao contrário do que julgava Emídio Rangel, hoje as televisões já não vendem Presidentes como quem vende sabonetes. As redes sociais deixaram campo livre para que as mensagens se espalhem independentemente de qual o seu conteúdo e, como se viu, uma mensagem eficiente e bem difundida pode ser o caminho aberto para a vitória.
Claro que é sempre possível reagir a isso, dizendo que Trump ganhou com o apoio de ignorantes, incultos, mal-formados, e gente deplorável. É bem capaz de ser verdade, mas essa é a regra da democracia. Quem não quer que o povo inculto vote, a única coisa que pode fazer é propor o regresso aos tempos anteriores à revolução francesa, em que a nobreza e o clero tudo decidiam de forma culta e esclarecida. Não é seguramente uma solução praticável. Compreender os anseios do povo e saber lidar com eles parece muito mais adequado. E para isso os jornalistas não podem ignorar o que se passa à sua volta.
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O mundo virtual dos jornalistas.
O jornalismo tem que interpretar a realidade. Não pode tomar os seus desejos pela realidade. Neste aspecto, talvez o mais belo filme de todos os tempos, o Citizen Kane, que é precisamente sobre a manipulação jornalística, já reconhecia que essa manipulação tem como limite os factos. Quando Charles Foster Kane, o dono do Inquirer está a concorrer às eleições, e se perspectivava como vencedor, é apanhado num escândalo matrimonial. O jornal tinha preparado uma primeira página a dizer "Kane elected", mas os directores do jornal recusam-se a passá-la, reconhecendo que, com o voto contra dos puritanos, o dono do seu jornal não tinha hipóteses de ser eleito. A primeira página passou por isso a ser "Charles Foster Kane Defeated: Electoral Fraud". Os factos podem ser manipulados, e são-no frequentemente pelos jornalistas, mas não podem ser alterados.
A realidade é que o mundo em que os jornalistas vivem, de Washington D. C. (um bastião ultrademocrata) ou de New York (outro bastião democrata) não representa a América comum. E na América comum Hillary Clinton era profundamente odiada. Apercebi-me disso a primeira vez que visitei os Estados Unidos, ainda no tempo da presidência Clinton. Como é óbvio, quis ir à Casa Branca, e deparei-me lá com uma manifestação furiosa. Julguei que era contra o Presidente, mas verifiquei espantado que era contra a Primeira Dama. Perguntei a razão da manifestação e explicaram-me que ela se estava a meter na política presidencial, o que não era aceitável para uma Primeira Dama, uma vez que não tinha tido o voto popular. E essa imagem da Primeira Dama, que por via do casamento se ingere na presidência do país, ficou no imaginário norte-americano. Afinal de contas a personagem da série House of Cards, Claire Underwood, não representa precisamente esse tipo de Primeira Dama?
Desde então, nunca achei que Hillary Clinton tivesse qualquer hipótese de ganhar a presidência. Não me espantei quando perdeu a nomeação para Obama, e também sempre fiquei convencido de que não iria bater Trump, que já tinha arrasado candidatos republicanos melhores do que ela. O recurso a Michelle Obama, ao próprio Obama e aos cantores nos seus comícios só demonstrava a sua fragilidade, que aliás ficou evidente na noite eleitoral, quando não conseguiu assumir a derrota. Mas os jornalistas continuavam convencidos dessa realidade alternativa e até ao último minuto as televisões americanas recusavam-se a reconhecer a vitória de Trump. Quanto às revistas, já estavam na rua anunciando a vitória de Hillary Clinton, como aconteceu com a Newsweek. Até a Directora da nossa Visão se queixou de ter tido que alterar toda a sua edição em meia dúzia de horas, sendo se calhar por isso que a revista surgiu nas bancas com o título "Oh! Não!". É melhor os jornalistas esperarem pelos verdadeiros factos, antes de começarem com as interpretações sobre os mesmos. Se não, podem acontecer coisas destas.
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O regresso da Sublime Porta.
Na sua obra The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order, de 1996, Samuel P. Huntington previu claramente o risco de uma guerra no séc. XXI em virtude do afrontar das civilizações, de que o Ressurgimento Islâmico estava a ser o factor decisivo. Curiosamente deixava de fora desse Ressurgimento Islâmico a Turquia. Para ele a Turquia, desde que Ataturk a tinha laicizado e abandonado o alfabeto islâmico em benefício do latino, constituía um Estado dilacerado, que tinha destruído o seu próprio passado e consequentemente a sua civilização. Na verdade, o Estado Turco não se via como herdeiro do Império Otomano e, ao adoptar um novo alfabeto, impedia as novas gerações de conhecer todas as obras escritas durante séculos no seu país.
Quando visitei a Turquia, disseram-me que essa análise era exagerada. No tempo de Ataturk a população alfabetizada era insignificante, pelo que a mudança de alfabeto não teria tido grande significado e o meu interlocutor considerava o alfabeto latino muito mais adequado à língua turca do que o islâmico. Só que, ao contrário do que Huntington previu, os sinais que surgiam desde a eleição de Erdogan davam a entender que a Turquia não ia ficar de fora do Ressurgimento Islâmico. Efectivamente, hoje na Turquia as velhas igrejas bizantinas estão a voltar a ser mesquitas, como já aconteceu com a Santa Sofia de Trabzon, e receia-se que o mesmo aconteça também com a Santa Sofia de Istambul. Erdogan pode homenagear Ataturk, mas é claramente o oposto dele. E quando anuncia que a Turquia precisa de um Lebensraum, e que os estudantes têm que voltar a aprender o passado otomano, o que está a destruir é a herança de Ataturk e a proclamar o desejo de um regresso ao passado glorioso do Império Otomano. E afinal quem o pode censurar por isso? Se Trump ganhou as eleições americanas com o slogan "Make America Great Again", o que impede Erdogan de proclamar "Make Turkey Great Again"?
O problema é que isto significa a guerra total. Basta olhar para o mapa do antigo Império Otomano. Abrange a Síria, onde a Turquia já está envolvida, o Iraque, para onde caminha, e até pode envolver a Crimeia e a Europa Oriental. Quando vejo muito boa gente a contestar os direitos russos sobre a Crimeia, apesar de a população ser esmagadoramente russa, com o argumento de que antigamente o território pertencia aos tártaros, o que está a propor é o regresso da Crimeia à Turquia. Os tártaros fazem parte do grupo dos povos turcos, a propósito. E neste momento nem a Rússia assusta Erdogan, como se viu no episódio do abate do avião russo por caças turcos. A Sublime Porta está de volta e é um facto novo na esfera internacional, onde uma hipótese de guerra generalizada não pode ser descartada.
É por isso que me parece que a derrota de Hillary Clinton nas eleições americanas até pode ter sido positiva na esfera internacional. Hillary Clinton era um falcão assumido com muito pouco bom senso, como se viu por ter deixado alastrar a Primavera Árabe quando era Secretária de Estado. E o facto de ter sido incapaz de gerir a sua própria derrota na noite eleitoral deixa-me sérias dúvidas sobre a sua capacidade de lidar com uma crise internacional com proporções colossais. Porque não tenhamos dúvidas, é para lá que caminhamos.
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Previsível.
Durante imenso tempos os jornalistas andaram a fazer uma futurologia completamente absurda sobre as eleições americanas, construindo castelos no ar que era evidente que não resistiriam ao mais leve sopro da realidade. Disseram que o Partido Democrata ia ganhar o Senado, que Hillary Clinton já tinha assegurado 303 votos no colégio eleitoral e que tinha 90% de hipóteses de ganhar a eleição. A certa altura o absurdo foi tão grande que até se pôs a hipótese de Hillary Clinton ganhar o Texas, desde sempre um bastião republicano.
Sempre me pareceu que esses jornalistas estavam a tomar os seus desejos pela realidade. Ora, a realidade é que Hillary Clinton sempre foi uma candidata fraca, não conseguindo entusiasmar nenhum eleitor e tendo, pelo contrário, elevadíssimos índices de rejeição no eleitorado. Por isso inicialmente teve que recorrer a Michelle Obama, e mais tarde chamou o próprio Obama, que se envolveu na campanha eleitoral de uma forma que não me lembro de um presidente em exercício alguma vez ter feito pelo seu sucessor. E nos seus comícios teve que recorrer a celebridades como Jay-Z ou Beyoncé para conseguir gerar algum entusiasmo, facto que o próprio Trump não deixou de salientar. Foi por isso uma péssima decisão do Partido Democrático em escolher Hillary Clinton como candidata. Bernie Sanders podia ser um candidato mais à esquerda, mas tinha algumas hipóteses de bater Trump. Hillary Clinton, com os níveis de rejeição que sempre teve nos eleitores americanos, até pelo Rato Mickey seria derrotada.
Ora, Donald Trump pode ser conhecido por the Donald, mas não é o Pato Donald. Pode ser extremamente grosseiro, arrogante, provocador e insultuoso, mas é inteligente, ou não teria tido o sucesso que teve nos negócios. Por isso nunca poderia ter sido subestimado, nem se poderia confiar que os eleitores americanos, que o conhecem muito bem há décadas, se escandalizariam com revelações sobre a sua linguagem desbragada.
Bastava, aliás, recordar a forma estrondosa como Trump ganhou a nomeação republicana, arrasando candidatos muito mais favoritos, exactamente com o mesmo estilo, para se perceber que Hillary Clinton — que só tinha vencido tangencialmente Bernie Sanders — teria extrema dificuldade em responder ao discurso populista de Trump, de nostalgia pelo regresso ao sonho americano. Ora, o que se viu foi que muitos eleitores alinharam fervorosamente nesse discurso, mesmo nas minorias que Hillary Clinton dava como asseguradas. Na verdade, os media criaram uma ficção de favoritismo absoluto de Hillary Ciinton, que nunca existiu nesta eleição. Por isso, ontem, confrontada com a realidade, Hillary Clinton nem foi capaz de fazer o discurso de derrota, só o tendo feito há momentos.
Sun-Tzu escreveu que aquele que se conhece a si mesmo e conhece o inimigo, pode garantir a vitória, mas quem conhece o tempo e o terreno a alcançará de forma absoluta. Manifestamente dos dois candidatos, só Trump percebeu o terreno que pisava: o de um país revoltado, frustrado com a globalização e ansioso pelo regresso ao proteccionismo e ao sonho americano, que ele lhe prometia. Foi por isso o vencedor da noite. Hillary Clinton não percebeu o que o marido tinha percebido ser decisivo para ganhar umas eleições: "It's the economy, stupid!".