A queda de um anjo.
Lula é, pelo menos desde 1989, a figura central da política brasileira. Lembro-me de o ter visto pela primeira vez nesse ano num debate com Collor de Mello, de que a televisão portuguesa passou trechos. Logo na altura me impressionou a enorme capacidade de debate político que demonstrava, nada usual para alguém com uma simples formação de operário metalúrgico. Mas também calculei que a sua imagem radical teria dificuldade em passar no eleitorado moderado, que é quem decide as eleições. Curiosamente na altura a TV Globo, apoiante de Collor, apareceu com uma telenovela chamada Sassá Mutema, o Salvador da Pátria, que contava a história de um trabalhador braçal simpático, mas que quando era eleito prefeito, se deixava imediatamente cair no abuso de poder e na corrupção. A televisão explorava assim os receios do eleitorado, avisando dos riscos da eleição de Lula.
Lula lá perdeu as eleições por escassa margem, mas viu-se que Collor, o "caçador de marajás", era afinal alguém tão pouco recomendável que foi poucos anos depois objecto de "impeachment". Mas Lula, embora derrotado, soube conservar a liderança do PT, e percebeu-se logo que iria ser sempre candidato nas eleições seguintes até vencer. A sua permanente popularidade levava a que os seus adversários discutissem sempre qual a pessoa mais capaz de o derrotar, o chamado candidato anti-Lula. Em 1994 e 1998 Lula ainda foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso, um grande presidente do Brasil, mas a crise económica no último mandato deu logo a entender que ninguém conseguiria bater Lula nas eleições seguintes. E, de facto, em 2002 Lula esmagou José Serra, obtendo a maior votação alguma vez tida por um candidato presidencial. Para isso muito contribuiu uma total mudança de imagem, para um tom mais clássico, assim como um discurso menos radical.
Na presidência Lula teve um sucesso colossal, resolvendo a crise dos Sem Terra, e criando programas como o Fome Zero ou o Bolsa Família, que tiraram milhões de pessoas da miséria. Facilmente reeleito em 2006, Lula praticamente saiu da presidência em apoteose em 2010, conseguindo por isso facilmente transmitir o seu poder à sua sucessora Dilma Rousseff. Mas já nessa altura se falava dos escândalos de corrupção que ensombravam o seu mandato, que descredibilizaram o PT e viriam a atingir com toda a força Dilma Rousseff, também ela objecto de "impeachment". Lula pretendeu por isso regressar em 2018 e provavelmente iria consegui-lo, mas foi ontem travado pela decisão dos tribunais que o condenaram a 12 anos de prisão, inviabilizando a sua candidatura.
É triste que um presidente que poderia ter deixado o seu nome inscrito com chave de ouro na História do Brasil saia assim tantos anos depois pela porta baixa.