De Filipe IV a Filipe VI.
Quando o Rei Filipe IV mandou a Catalunha envolver-se na Guerra dos Trinta Anos na Europa, teve como resposta que as constituições da Catalunha só autorizavam o uso das suas tropas na defesa do território catalão. A obstinação do Rei e do seu valido, o Conde-Duque de Olivares, que pretendia estabelecer a centralização total do Reino, com a criação de um exército único (Unión de Armas) levou a Catalunha a proclamar a sua independência em 1640 na Guerra dos Segadores. A reacção de Filipe IV foi mandar tropas portuguesas combater na Catalunha, o que levou a uma revolta idêntica em Portugal. É essa revolta que está na génese da Restauração da Independência de Portugal a 1 de Dezembro de 1640, um feriado importante que estupidamente o governo de Passos Coelho quis abolir.
Consta que quando soube da revolta portuguesa, Olivares limitou-se a ter com Filipe IV o seguinte diálogo:
"— Vossa Majestade acaba de adquirir mais um importante Ducado.
— Como?
— O Duque de Bragança proclamou-se Rei de Portugal e essa traição implica a perda do seu Ducado, que em consequência passará para a posse de Vossa Majestade".
Já se sabe que a História foi outra. Por muito que o Rei espanhol o quisesse, a verdade é que não só o Duque de Bragança não perdeu o seu Ducado, como se tornou Rei de Portugal, assegurando a independência do nosso país em face de Espanha. Infelizmente a Catalunha, cujo espírito livre desencadeou toda esta história, não teria a mesma sorte, tendo sido derrotada e rendendo-se a Filipe IV em 1652. Apesar de vitorioso Filipe IV obrigou-se a respeitar as leis catalãs. Morreu em 1665, continuando a considerar-se Rei de Portugal e a incluir o escudo português entre as suas insígnias reais. Por isso, o Tratado de Paz entre Portugal e Espanha só viria a ser assinado em 1668, já entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha.
Hoje parece que a História se repete, com Filipe VI no lugar de Filipe IV, e Rajoy no lugar de Olivares. Continuamos a ver as mesmas ficções centralistas, o não respeito pela diversidade dos povos da península, e a tentativa de impor pela força uma união que uma das partes manifestamente questiona. Só que já não estamos no séc. XVII em que a força das espadas decidia estas questões. Estamos no séc. XXI, onde estes conflitos devem ser decididos pacificamente por via eleitoral. Foi o que aconteceu em Timor-Leste em face da Indonésia, e com o Quebeque em face do Canadá com resultados diferentes. Mesmo na Europa Ocidental, já se fizeram referendos nas regiões alemãs do Sarre e do Schleswig-Holstein, bem como na Escócia, sem que ninguém invocasse o tabu de uma antiga constituição ou proclamasse que isso iria conduzir o país e a Europa ao apocalipse. Bom senso e bom gosto é o que se precisa.