Os jornais também se abatem.
Chega agora a notícia de que o Diário de Notícias vai passar a semanário (importam-se de repetir?) mantendo apenas uma edição digital. Não é nada que me espante. Já assisti à sucessiva queda de jornais de referência, como a República, O Século, o Diário de Lisboa, o Diário Popular e até mesmo a títulos que marcaram uma época, como O Independente. O caso do Diário de Notícias era, porém, especial pois era um jornal com uma aceitação generalizada e uma enorme audiência. Lembro-me perfeitamente de ter sido o jornal que chegou a nossa casa a noticiar em primeira mão o 25 de Abril, tendo mesmo contactado o General Spínola, que não tinha achado oportuno dizer nada. O Diário de Notícias estava sempre na linha da frente das notícias, tendo sido o único jornal da manhã que noticiou a acção militar.
O Diário de Notícias era, porém, muito permeável ao poder político e os militares quiseram logo avançar para o seu controlo, sob a liderança de José Saramago, que não hesitou em demitir os principais jornalistas e transformar o jornal num pasquim de apoio a Vasco Gonçalves. Mas o Diário de Notícias rapidamente recuperaria desses tristes tempos, para agrado dos seus leitores. Nessa época o Diário de Notícias era um jornal enorme, tendo que ser dobrado e estendido no chão para o podermos ler. Mas nunca o deixávamos de fazer, seguindo avidamente as notícias que diariamente surgiam, sendo que a sua credibilidade o tornava um jornal de referência.
Esses tempos passaram e o jornal foi-se reduzindo, não apenas em formato, mas também em referência e credibilidade. Nos últimos tempos transformou-se num jornal especialista em fazer fretes ao partido socialista, tendo ficado célebre aquela primeira página a negro, em que revelou correspondência particular relativa a fontes de outro jornal. Desde então nunca mais comprei o Diário de Notícias, pois não tenho paciência para adquirir um jornal que se transformou numa sombra do que era. Agora pelos vistos vão dar cabo dele de vez. As instituições não são eternas e a história é implacável. Mas é pena que o Diário de Notícias tenha sido destruído desta forma por quem devia ter cuidado de uma instituição centenária. Está visto que os jornais também se abatem.
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6 comentários
De Anónimo a 28.05.2018 às 13:07
Leitor desde a primeira hora do DN, fruto de ser sobrinho de Luiz Teixeira, uma das muitas figuras que fizeram o DN, e que esteve também na origem do Sindicato dos Jornalistas, e do já desaparecido Cofre de Previdência dos Jornalistas, é com profunda mágoa que assisto ao anúncio do seu fim.
Desde sempre DN e RTP são conhecidos como os órgãos oficiais do governos, quaisquer que fossem. A ideia e a colagem ao PS não faz pois qualquer sentido, pois inúmeras foram as capas de todos os governos.
O problema do DN é exclusivo, mas expande-se a toda a imprensa, com graves reflexos na publicidade, que sustenta todos.
De repente, com o desaparecimento do lápis azul do Coronel Barreto, os jornalistas sentiram a indescritível liberdade de escrever sem que os textos fossem censurados, cortados ou pura e simplesmente eliminados. Nem os revisores de texto escaparam à voragem, sobretudo após a era dos computadores, que passaram a rever os textos.
Olho e lembro-me de uma das últimas imagens do filme "O Intruso", de Luchino Vissonti, quando a personagem abre a gaiola do pássaro para que ele ganhasse a liberdade, e o pássaro cai pesado no chão porque nunca voara, e não o sabia fazer.
Com os ouvidos cheios de palavras como "liberdade de imprensa" e similares, os jornalistas julgaram que escrever num jornal era uma forma de emitir a sua opinião sobre a Notícia, de usar o jornal como meio de ajudar os seus amigos, os seus interesses pessoais, as suas ideias.
De repente, os jornais convenceram-se que existiam para formar opinião (o Expresso até faz publicidade com essa afirmação de que formam opinião), pensando que o leitor era incapaz para pensar, que comprava invariavelmente o jornal e mais nada, convencidos que são uma casta superior e que o velho chavão "ler jornais, é saber mais" significava que eram donos da sabedoria e da inflaibilidade.
Tal como o pássaro de Visconti, os jornalistas caem pesados no chão, e assistem ao fecho de títulos, uns atrás dos outros.
Pior. por mais sinais que lhes sejam transmitidos, continuam arrogantemente a pensarem ser insubstituíveis e fundamentais.
Insubstituíveis não são, mas são fundamentais. Mas não é desta forma que o são.
Lembro-me do meu tio dizer-me um dia que a Notícia deve estar privada de opinião e de emoção, porque o foco deixa de ser a Notícia e passa a ser a opinião e a emoção do jornalista. Quanta razão tinha!
Um jornalista já desaparecido teve a ousadia de clamar que o poder dos jornalistas era tanto, que até elegiam presidentes. Sim, os jornalistas de hoje conseguem fazer isso. Mas é isso jornalismo? Isto só é possível perante leitores anestesiados, incapazes de ler notícias e separar o trigo do joio, o que também em nada os abona.
Para não ser mais longo, antes que desaparecem todos os títulos e a crise atinja o audiovisual (das rádios já nem falo, que só ouvimos quando andamos de carro), urge fazer um grande debate nacional sobre o Jornalismo e que Jornalismo queremos para o futuro.
Também é verdade que a enorme área que ocupa e a sua localização, tornaram o DN num alvo apetecível, como no passado aconteceu com a Capital, o Diário Popular e os Diário de Lisboa, sediados em pleno coração do Bairro Alto. Mas isso só não chega. Faltaram receitas da publicidade, que só existem se o jornal for credível e tiver leitores.
Qual será o próximo na lista de encerramentos?