O cavalo de Tróia do euro.
Há dias escrevi aqui que me parecia que a situação na Grécia tinha atingido uma irracionalidade de tal ordem, que não se sabia o que o governo grego pretendia. O tempo levou a descobrir que, com ou mais ou menos planos rocambolescos, o que ele pretendeu desde o início foi a saída do euro e o regresso ao dracma. Tsipras parece por isso Hamlet, de quem se dizia que estava numa verdadeira loucura, mas havia método nisso ("Though this be madness, yet there is method in't").
Efectivamente, Atenas só não saiu do euro porque não teve apoio externo para o fazer. O problema de um país adoptar uma moeda própria é que ninguém a aceita no estrangeiro. Por isso, em ordem a poder manter o pagamento dos bens importados, esse país tem que antes de tudo ter uma reserva grande de divisas. Ora, a Grécia não tinha quaisquer reservas. Correu por isso literalmente seca e meca para as arranjar. Tsipras pediu auxílio aos EUA, à Rússia, à China e até ao Irão, para obter um financiamento que lhe permitisse sair do euro. De todos estes países ouviu um sonoro e terminante não. Pode haver desavenças com a Europa, mas a nenhum destes Estados interessava contribuir para o colapso da zona euro. Por isso Krugman, um dos maiores apoiantes do Grexit, acabou a chamar incompetente ao governo grego.
Rejeitado por todos, Tsipras voltou, qual filho pródigo, para os braços do Eurogrupo. Mas voltou sem qualquer convicção, referindo que um dia a batalha vai dar frutos. Parece que estamos assim perante a velha estratégia leninista de dar dois passos atrás para dar um passo em frente.
Em qualquer caso, não parece que as feridas tenham ficado minimamente saradas e que Tsipras tenha desistido dos seus intentos. A Grécia é por isso hoje o cavalo de Tróia do euro, de onde os seus soldados estão preparados para sair a qualquer momento, voltando a fazer colapsar a cidadela.
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A saída da Alemanha do euro.
Num texto mais abaixo, o Sérgio Almeida Correia cita um autor a defender a saída da Alemanha do euro. Essa hipótese já tem barbas, sendo desde 2013 defendida na Alemanha pelo partido Alternativ für Deutschland. Há, por isso, um forte receio que um dia os alemães se fartem mesmo da irresponsabilidade orçamental dos países do Sul e abandonem o euro.
É por isso que para aliviar consciências se sugere que seria bom para o euro a saída da Alemanha, uma vez que levaria a uma depreciação da moeda europeia, que hoje é considerada demasiado forte para os países do Sul. Só que as consequências económicas do Germanexit seriam desastrosas, fazendo o Grexit parecer uma brincadeira de crianças. Basta ver que a Alemanha é a quarta economia do mundo e, se esta abandonasse a zona euro, a moeda perderia o seu principal sustentáculo, desencadeando uma forte apreciação do novo marco e uma inflação geral em toda a zona euro sobrante. Por isso, os restantes países do Norte sairiam também a correr da moeda única, que se transformaria assim na moeda descredibilizada do Sul da Europa, aumentando ainda mais a inflação nessa zona. Enquanto que o Grexit geraria inflação apenas na Grécia, o Germanexit provocaria uma inflação galopante em todos os outros países que permanecessem no euro.
Um dia assisti a uma conferência de um professor de economia em Dublin sobre as dificuldades que a Irlanda tinha com o euro, defendendo ele, porém, que, apesar disso, se devia manter na moeda única. Pedi-lhe então que contemplasse a hipótese de ser a Alemanha a decidir abandonar o euro. A resposta dele foi elucidativa. Simplesmente, benzeu-se.
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A semana do desespero.
Um leitor deste blogue chamou-me a atenção para estas imagens publicadas pelo Observador, demonstrando as filas dos reformados gregos, tentando receber as suas pensões de bancos que têm que estar fechados pois de outra maneira não resistiriam perante os contínuos levantamentos por parte dos depositantes. Os reformados gregos são as vítimas inocentes desta estratégia do Syriza, que de um momento para o outro pode deixá-los sem nada.
Isto porque provavelmente estes levantamentos serão os últimos que terão em euros e o novo dracma só pode significar a miséria na Grécia. Diz-se que a saída do euro implicaria em Portugal uma desvalorização de 50% enquanto que na Grécia chegará aos 80%. Ou seja, Portugal entrou no euro com este a valer 200,482 escudos e agora sairia com o novo escudo a valer 1/300 avos de um euro. Já quando a Grécia entrou no euro o dracma foi convertido a €0.0029 e agora seria convertido a €0,00058. Ou seja o novo dracma será equivalente a 1/1724 avos de um euro. Podem naturalmente dar outros valores às novas moedas criadas mas a realidade económica subjacente é esta.
O problema é que isto não vai ficar por aqui, pois como se viu depois do confisco de Collor no Brasil em 1990 ou do corralito argentino de 2001, o resultado destas brincadeiras é sempre uma hiperinflação, com uma alta do custo de vida que destruirá completamente o valor das pensões. Estes reformados já viveram muito e sabem bem o que os espera. O sarilho em que o governo do Syriza fez cair a Grécia vai-lhes custar muito caro.
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No deal.
As relações entre Estados não se baseiam em juízos de culpa, moralismos ou piedade. Baseiam-se em encontrar hipóteses de acordo que permitam chegar a um ponto de equilíbrio. E quanto aos tratados, eles não são imutáveis, podendo e devendo ser rapidamente modificados se as circunstâncias se alteram. Hoje já ninguém se lembra de quando a Senhora Thatcher descobriu que o Reino Unido estava a ser o maior contribuinte líquido para a então CEE. Chegou ao Conselho Europeu e disse apenas as seguintes palavras: "I want my money back". Os restantes membros do Conselho deram-lhe razão e o Reino Unido passou a receber anualmente uma devolução das suas contribuições, o famoso cheque britânico. Na altura ninguém falou em tratados e compromissos e se tivesse falado, já se sabe a resposta que teria da Dama de Ferro.
Hoje a situação é similar: a Alemanha é o único país que está a ganhar com o euro, estando todos os outros a perder. Tem por isso toda a lógica que a Alemanha pague em contrapartida dos benefícios que está a ter. Caso contrário os outros países terão que sair do euro, tornando a moeda insustentável. Hoje é a Grécia, amanhã será Chipre, e depois virão os outros. Pode levar décadas, mas depois de um sair, o dominó será implacável.
É por isso que não vale a pena esperar por um acordo em relação à Grécia. Tsipras e Varoufakis preferem sair do euro, a continuar com estes resgates disparatados, como bem aqui se salienta. E Schäuble não prescinde da sua irredutibilidade, preferindo acusar os eleitores gregos de irresponsabilidade. Por aqui se vê como a União Europeia não passa afinal de um gigante com pés de barro.
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O castelo de cartas.
Por acaso acho que Varoufakis tem inteira razão. O euro não passa de um castelo de cartas e a retirada da carta grega vai ser a queda de todo o castelo, a começar por Portugal e Itália.
Bem pode o Ministro das Finanças italiano proclamar que "a dívida italiana é sólida e sustentável". Não só a dívida italiana já atingiu os 132% do PIB, como a Itália tem uma população idosa a rondar os 30%, cinco pontos acima da média europeia e continua a crescer. Quem hoje empreste dinheiro a longo prazo à Itália, arrisca-se daqui a uns anos a que o devedor seja um Estado em que a maioria da população é pensionista. Não sei como é que alguém pode considerar uma dívida destas sustentável.
Já Portugal, que também tem uma dívida que já ultrapassou os 130% do PIB, e uma população idosa acima dos 20%, reagiu ao anúncio grego com a antecipação do reembolso ao FMI. Sabendo-se que o total da dívida pública portuguesa é de € 217.126.401.453 o reembolso antecipado de 14 mil milhões de euros, totalmente financiado com a aquisição de nova dívida, não me parece que faça grande diferença. É verdade que os juros estão a cair, mas estamos praticamente em deflação, a qual é mortal para quem tem dívidas. Não foi Cavaco Silva que disse que precisaríamos de um crescimento nominal de 4% todos os anos para conseguir baixar a dívida para 60% em 2037? E onde pára esse crescimento?
O único país que me parece que está verdadeiramente a ganhar com o euro é a Alemanha. E como isto é um jogo de soma zero, os benefícios da Alemanha são negativos para os outros países. Não sei por quanto tempo iremos continuar nesta viagem na irrealidade quotidiana, em que ninguém assume o que parece óbvio para todos. A Grécia pelos vistos já se fartou disto. Vamos ver quanto tempo os outros Estados aguentam.
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A bordo do Titanic.
Parece claro que o ano de 2015 se arrisca a ser o ano que comprovará o falhanço definitivo do euro. Curiosamente o programa "quantitative easing", que parece vir a ter luz verde do Tribunal de Justiça da União Europeia, pode ser o teste decisivo que comprovará a inviabilidade do euro. Pelo menos vai inviabilizar qualquer tentativa dos outros bancos centrais em manter a paridade com o euro, que vai ter uma desvalorização clara. A Suíça já desistiu de manter a paridade entre o euro e o franco suíço, fazendo este apreciar-se para valores estratosféricos. E a Dinamarca pode ser obrigada ao mesmo, já que só baixando a taxa de juro para valores negativos consegue manter a paridade entre a coroa dinamarquesa e o euro.
Se esta depreciação do euro é positiva para os países da zona euro, não deixa de sinalizar alguma desconfiança, quer na economia da zona euro, quer no futuro da sua moeda. E neste caso, a saída da Grécia da zona euro, que a vitória anunciada do Syriza pode tornar inevitável pode ser o icebergue que afundará definitivamente este Titanic. É pena que a Alemanha, que tanto ganhou com o euro, não tenha compreendido a tempo útil que só partilhando esse ganho com os outros países poderia salvar a moeda única. Agora é tarde. Depois de o Titanic se romper, nada o pode fazer manter-se à tona de água.
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A ajuda do Financial Times Deutschland ao Syriza.
O Financial Times Deutschland resolver intervir nas eleições gregas. Num artigo escrito simultaneamente em grego e alemão, intitulado "Combatam os demagogos" (Αντισταθείτε στo δημαγωγό /Widersteht den Demagogen) o FT Deutschland afirma que, tal como a maioria dos gregos, deseja que o país permaneça na zona euro e por isso permite-se fazer uma recomendação de voto. O jornal apela às "queridas gregas" e aos "queridos gregos" para que compreendam que apenas com os partidos que aceitam as condições impostas pelos credores internacionais o país permanecerá no euro. Por isso apelam a que se oponham à demagogia de Alexis Tsipras e do Syriza, e não acreditem na sua promessa de que pode denunciar os acordos internacionais sem qualquer consequência.
Curiosamente o jornal reconhece que a Nova Democracia é co-responsável por décadas de uma falsa política, que conduziu o país à actual miséria. Mas mesmo assim acha que o país ficará melhor com uma coligação liderada por Antonis Samaras do que com um governo de Alexis Tsipras, que se propõe arrepiar o caminho até agora seguido, pelo que apela aos gregos para que votem na Nova Democracia.
Quando soube deste artigo lembrei-me de um episódio semelhante em Portugal quando o jornal A Capital declarou na primeira página que apoiava John Foster Kerry nas eleições presidenciais americanas. A minha reacção foi de riso, imaginando o que pensaria George W. Bush se soubesse de semelhante apoio e quão preocupado ficaria com as suas consequências eleitorais. Mas hoje tenho uma opinião contrária. O gesto do FT Deustchland só pode favorecer precisamente um partido, que é o Syriza. Este partido não se vai impressionar nada com a acusação de demagogia, uma palavra grega que significa "a arte de conduzir o povo". O FT Deutschland é que pelos vistos nada percebe desta arte, por que se a sua ideia era conduzir o povo grego a votar na Nova Democracia, vai ter provavelmente o efeito contrário.
Neste momento as minhas apostas para o fim-de-semana são as seguintes: A Grécia sai do euro (futebol) hoje e sai do euro (moeda) amanhã.
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A destruição do euro.
Começa a ser evidente para todos que o euro está à beira do colapso. Tal deve-se à forma como foi concebido, destinado a ser a moeda única de uma Europa com economias muito diferentes. O euro poderia funcionar com base em políticas de coesão, mas essas são já passado. A partir do momento em que a crise se instalou e os países europeus adoptaram a regra do cada um por si, é evidente que o euro se tornou numa armadilha para os países do Sul que nunca conseguirão viver nas condições draconianas exigidas pela Alemanha. O irrealismo do Tratado Orçamental, que a Grécia e Portugal ratificaram para alemão ver, iria ser o teste final que provocaria a saída imediata destes países do euro, se a eleição de Hollande não o tivesse transformado num nado-morto.
Entretanto, a explosão iminente na Grécia leva as instituições comunitárias a manobras desesperadas, como se vê agora com esta medida do BCE de injectar 100 mil milhões nos bancos gregos. É extraordinário que o BCE aposte em bancos de onde os seus depositantes retiram todas as suas poupanças, com base no dinheiro dos contribuintes europeus, que é assim atirado para um poço sem fundo. Resta ver quais vão ser as consequências desta medida para a credibilidade do euro.
Na verdade, a demonstração de que o euro é neste momento tudo menos uma moeda única resulta evidente das sucessivas propostas para o dividir em várias moedas. Primeiro, foi na Holanda que se propôs uma nova moeda para os países do Norte, que se chamaria o neuro. Agora é o Deutsche Bank que propõe a quadratura do círculo com um euro exclusivo da Grécia, que se chamaria o geuro. Calculo que logo a seguir o Deutsche Bank venha propor também um euro exclusivo para Portugal, o peuro. Isto seria cómico se não fosse trágico.
Mas, perante este extraordinário espectáculo, ainda há quem tenha ideias para o negócio. Está a ser distribuído um jogo, o Euro Destruction, em que é suposto os jogadores atirarem moedas de euro contra os banqueiros ou contra os cidadãos. Parece que o cenário final do jogo é o "End of Europe as we know it". Deve ser um jogo muito popular para os actuais governantes europeus.
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O euro
Foi há dez anos, no início de 2002, que recebemos as primeiras notas e moedas de euros, embora o euro já existisse como moeda escritural desde 2000, funcionando as antigas moedas nacionais como suas divisões. Lembro-me perfeitamente da euforia com que os euros foram então recebidos pelos portugueses, que passariam a ter uma moeda aceite em toda a Europa. O problema foi o que veio a seguir. Os preços dos produtos dispararam, mas ninguém deu por isso, deslumbrado com o crédito fácil que a baixa das taxas de juro tinha proporcionado. As pessoas endividaram-se brutalmente, ficando completamente arruinadas. E o país teve uma década sem crescimento económico, que conduziu as contas públicas ao descalabro actual. E o pior de tudo isto é que o colapso do euro, ou o seu abandono por parte de Portugal, seria um cenário catastrófico, com consequências imprevisíveis. A posição de Portugal em relação ao euro neste momento lembra aquele célebre dito dos brasileiros: "Se fugir, o bicho pega. Se ficar, o bicho come". Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.