E depois do FMI.
Não vale a pena estar neste momento a protestar pelo facto de nos quererem impor à força um PEC4 que foi rejeitado no Parlamento. Na verdade, o país alienou provisoriamente a sua soberania a partir do momento em que decidiu solicitar a "ajuda externa" ao FEEF e ao FMI, transformando-se num protectorado internacional até à altura em que pudermos prescindir desta "ajuda". O FMI vai adoptar a política de que quem paga manda e estar-se-á nas tintas para a posição do parlamento português, pois sabe que a única alternativa que ele tinha era rejeitar a ajuda e essa deixou presentemente de ser alternativa. É por isso que, em termos de programa de governo, os partidos do arco governamental perderam toda a margem de manobra para o discutir a partir do momento em que aceitaram apoiar esta intervenção externa. Será o FMI quem vai ditar a política governamental dos próximos anos. Por isso, o debate eleitoral entre os principais partidos vai-se resumir a discutir de quem foi a culpa disto. Ninguém acreditará em mais nenhuma promessa eleitoral, o que provavelmente conduzirá a uma abstenção gigantesca nas eleições. E se alguém tem dúvidas sobre o que vai acontecer, veja as primeiras condições do empréstimo: 80 mil milhões a pagar em três anos. Ora, um país como Portugal só consegue pagar 80 mil milhões de euros em três anos com medidas de austeridade violentíssimas. É por isso evidente que quando acabarmos de pagar esse empréstimo o país estará arruinado e exangue, com um enorme agravamento do fosso que nos separa dos outros países europeus. Onde está afinal a coesão europeia que tanto se apregoou durante o processo de construção da União Europeia?
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Um dia triste.
A única coisa que posso sentir neste dia é uma profunda tristeza pelo estado a que se deixou chegar o país e especialmente pelo que que aí vem. Tive já ocasião de visitar a Grécia e a Irelanda depois do que eufemisticamente se chama "resgate" do FMI. Tradicionalmente "resgate" era o dinheiro que se pagava para libertar alguém que tinha sido aprisionado por outrem. O que pude verificar, porém, nestes países é que esse pretenso "resgate" correspondia antes a uma verdadeira prisão, sendo especialmente sacrificadas as classes mais baixas com cortes violentíssimos nos salários, aumentos brutais de impostos, e tudo isto sem que a desconfiança dos mercados seja minimamente aliviada, pois as taxas de juro mantêm-se a níveis altíssimos. O "resgate" do FMI é um verdadeiro atentado à soberania nacional, como aliás bem se afirmava na Irlanda, onde as pessoas me diziam que estavam a perder o que tinha custado tantos mortos a conseguir. E quer-se lembrar às pessoas a vinda do FMI a Portugal em 1983 para referir que não foi problema. Pois eu lembro-me bem da vinda do FMI em 1983 com o subsídio de Natal retirado através de um imposto extraordinário e retroactivo, e da fome que na altura assolou o país, sendo confrangedora a situação de miséria que víamos atingir cada vez mais pessoas. O que se deve perguntar é que culpa as classes média e baixa tiveram para ter que suportar as medidas de austeridade. Não deveriam ser aqueles que deixaram irresponsavelmente acumular os défices públicos e privados que os deveriam pagar? E disse Passos Coelho ontem que "o País não pode ser tomado pela responsabilização da culpa". Pois eu acho precisamente o contrário: que pode e deve ser tomado por essa responsabilização. É precisamente nas eleições que os políticos devem prestar contas dos seus actos.