Muhammad Ali (1942-2016)
Nasceu Cassius Clay e foi com esse nome que se tornou famoso no mundo do boxe. Não hesitou, porém, em mudar de nome quando se converteu ao islamismo, essencialmente por influência de Malcom X, que também tinha abolido o seu apelido. Clay era um apelido herdado do patrão de escravos e ele queria usar um nome livre. Por isso obrigou o mundo inteiro a tratá-lo por Muhammad Ali.
Ali não era apenas um puglista. Era também um activista político, que gostava de marcar com clareza as suas posições. Em 1967 recusou-se a combater no Vietname, dizendo que nada tinha contra os vietnamitas, já que nenhum deles alguma vez lhe tinha chamado Nigger. Por isso expulsaram-no do boxe e chegaram a condená-lo a uma pena de prisão, mas Ali voltaria a retomar a carreira, anulando a condenação. Os seus combates de 8 de Março de 1971 com Joe Frazier (Fight of the Century), de 24 de Janeiro de 1974 com George Foreman em Kinshasa (Rumble in the Jungle) e de 1 de Outubro de 1975 em Manila, novamente com Joe Frazier (Thrilla in Manila) marcaram a história do boxe.
Ali tinha uma profunda vaidade, considerando-se sempre o maior. E para mim, quando acompanhei durante a minha adolescência os seus combates de boxe, era-o efectivamente. O seu estilo de combate era demolidor e ele próprio o definiu: pairava como uma borboleta e picava como uma abelha. Por isso lembro-me perfeitamente do choque que sofri quando num dia de 1978 o vespertino A Capital surge com a primeira página a dizer "Rei Ali derrotado por Spinks". Para mim era inconcebível que um gigante como Muhammad Ali pudesse ser derrotado por um pugilista menor, que num único combate lhe roubou todos os títulos do boxe.
O mito acabou aí. Muhammad Ali ainda voltaria a combater com Spinks, recuperando o título, mas, em lugar de se retirar, insistiu em defrontar Larry Holmes. Nessa altura, antecipei o que se iria passar. Holmes aconselhou Ali a retirar-se em glória, mas ele insistiu em combater e continuou com a gabarolice do costume, garantindo que iria esmagar Holmes. Na altura apareceu de bigode e inventou um terceiro nome para si próprio ("Dark Gable"), que nunca pegaria. Mas em 3 de Outubro de 1980, no Caesars Palace em Las Vegas, num combate que ficou conhecido como The Last Hurrah, Ali seria derrotado ao 10º round. Nessa altura já eram evidentes os primeiros sinais da doença de Parkinson, tanto assim que Ali foi obrigado pela Comissão de Boxe do Nevada a fazer um exame neurológico na Clínica Mayo, mas apesar disso, numa decisão muito criticada a Comissão autorizou o combate. E como não poderia deixar de ser, o resultado foi que Larry Holmes trucidou Muhammad Ali.
Ali passaria o resto da vida a lutar contra a doença de Parkinson. Para uma pessoa como ele, que achava que vencia sempre e para quem o impossível não era um facto mas uma opinião, até o Parkinson poderia ser vencido. Chegou a dizer: "Quem é esse Parkinson, a quem ganhou e em que livro de recordes está?". Nos restantes anos da sua vida ficaria a conhecer muito bem esse adversário e de facto combateu-o até à exaustão. Ontem perderia finalmente o combate da sua vida, mas ficou a lenda do maior pugilista de todos os tempos.