A Europa em colapso.
Há uma coisa que as pessoas não querem entender e que é que os povos votam de acordo com os seus interesses. Já Lord Palmerston dizia que a Inglaterra não tinha amigos permanentes nem aliados perpétuos. O que sempre teve foi interesses permanentes e perpétuos. Por isso as decisões políticas em Inglaterra sempre se basearam nos interesses do seu povo e não nos dos povos alheios.
Foi precisamente isso o que fizeram os ingleses ao votarem pelo Brexit. Não votaram assim porque preferiram os mauzões eurofóbicos apoiantes de Farage e companhia aos jovens cultos de Cameron, que aspiram a percorrer a Europa. Votaram assim porque entendem que o Reino Unido não tem neste momento na Europa o peso e a influência que deveria ter. E o resultado não foi apenas a consequência de uma luta interna no Partido Conservador, mas sim de cidadãos comuns que votam de acordo com os seus interesses. O Partido Trabalhista descobriu com surpresa que nos seus bastiões eleitorais a votação pelo Brexit foi esmagadora.
Diz-se que a consequência disto pode ser a saída da Escócia do Reino Unido. Sempre fui favorável à independência da Escócia, mas se alguém está convencido que um novo referendo escocês implica a permanência da Escócia na União Europeia está muito enganado. O que está nos Tratados é que um Estado só adere à União Europeia com o acordo unânime dos seus membros e a Espanha nunca deixará a Escócia entrar na União Europeia, uma vez que tal seria um precedente para a entrada da Catalunha. Mais uma vez, da mesma forma que a Inglaterra, a Espanha só tem interesses.
É por isso que enquanto houver gente convencida de que a União Europeia pode funcionar gerida por um Conselho onde os Estados grandes têm maioria assegurada e vão lá apenas para defender os seus interesses, a que os pequenos se submetem, a Europa nunca se reformará. O resultado disto é termos um pateta como Presidente do Conselho Europeu, que está convencido de que uma frase de Nietzsche é da autoria do pai dele. Ou a União Europeia se reforma ou caminha para o colapso. Ao contrário do que Juncker declarou antes de sair a correr da sala, isto é mesmo o princípio do fim.
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Brexit.
Desde há muito tempo que me parecia que a União Europeia caminhava para o desastre. Na verdade, nunca passou de uma construção de burocratas, feita completamente à margem dos eleitores. Quando alguém falava em referendar os avanços na construção europeia, diziam-lhe que a democracia representativa era suficiente. Quando um país rejeitava em referendo esses avanços, diziam-lhe que tinha que repetir o referendo até dar o resultado que Bruxelas queria. E o que Bruxelas queria era sempre uma espécie de União Soviética, com os povos amarrados a uma estrutura muito pouco democrática, cujas decisões tinham que aplicar cegamente. E se essas decisões de Bruxelas afrontassem a constituição do país, ele era até obrigado a mudar a sua constituição.
Tudo isto foi muito bonito, enquanto houve dinheiro a rodos para distribuir. Quando o dinheiro acabou, os países perceberam a armadilha em que tinham caído. Não têm moeda, não têm soberania, e nada podem decidir, tendo que aplicar cegamente as decisões europeias, por muito maus resultados que as mesmas dêem. E se esses resultados não chegarem, até podem ser sujeitos a sanções por terem feito o que lhes mandaram.
Havia, porém, um país que, devido à brilhante intervenção da Senhora Thatcher, soube sempre se colocar fora deste disparate. O Reino Unido conservou a libra, estabeleceu sempre uma série de opt-outs, e servia de claro contraponto à dominação alemã da Europa. Apesar disso, decidiu sair, confirmando a regra de que quando os povos são perguntados sobre se estão interessados em manter-se neste absurdo, a resposta é sempre um rotundo "não". No caso inglês a explicação é simples: o país não tem uma constituição escrita, e a sua estrutura assenta na soberania do parlamento britânico. Por isso nunca os eleitores britânicos aceitariam ter um parlamento subordinado à União Europeia. Outros países aceitam facilmente mudar as suas constituições em obediência a Bruxelas, o Reino Unido não.
Mas, se alguém pensa que isto vai ser um caso isolado, está bem enganado. Ao Reino Unido seguir-se-ão muitos outros países, onde vão aparecer posições políticas, propondo como alternativa à austeridade perpétua a saída da União Europeia. Um deles pode ser já a França, caso Marine Le Pen vença as eleições presidenciais. E aí a União Europeia terá o mesmo destino da União Soviética, com os países a sair um a um, até os burocratas perceberem que já nada mais têm para gerir.
Os defensores do Brexit estão eufóricos e dizem que este é o dia da independência britânica. Para mim é um dia triste, o do colapso da União Europeia. Mas também acho que a União Europeia só tem que se queixar de si própria. Esta construção é a de um gigante com pés de barro. Enquanto não existir uma democracia a sério na União Europeia, o seu colapso total é inevitável.