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Porque no te callas?

Terça-feira, 03.10.17

 

A restauração da monarquia espanhola foi uma decisão exclusivamente de Franco, assumidamente monárquico, mas que, no entanto, não reconheceu nenhum Rei de Espanha enquanto foi vivo, assumindo sempre os poderes de Chefe de Estado como Caudillo. A justificação residia no facto de considerar o Conde de Barcelona, D. Juan, como pouco confiável, decidindo por isso transmitir directamente o trono ao seu filho Juan Carlos. Quando na altura lhe perguntaram o que se passaria depois da sua morte, limitou-se a responder: "Sua Alteza, Juan Carlos, reinará e os espanhóis escolherão a sua forma de governo". Tratava-se naturalmente de uma solução muito pouco monárquica, uma vez que D. Juan, filho e pai de reis, perdia, por decisão exclusiva de Franco, o direito ao trono de Espanha.

 

Por respeito à vontade de Franco, aquando da transição espanhola ninguém se atraveu a contestar a subida de Juan Carlos ao trono, nem sequer o PCE de Santiago Carrillo. Mas dizia-se que rapidamente outro galo cantaria, face ao forte sentimento republicano dos espanhóis e que por isso D. Juan Carlos teria o cognome de "O Breve". Com a decisiva intervenção do Rei no 23-F as coisas mudaram. Os espanhóis continuaram ferozmente republicanos, mas passaram a considerar-se simultaneamente "juancarlistas". Curiosamente a facilidade com que o Rei meteu as coisas nos eixos resultou da preparação militar que Franco lhe deu, fazendo-o conhecer todos os principais generais do exército. Não teve por isso nenhum problema em descobrir que iria facilmente dominar a rebelião de Milans del Bosque e Tejero Molina.

 

Nos últimos tempos, a popularidade de Juan Carlos caiu pelas ruas da amargura, o sentimento republicano voltou em força, e o Rei percebeu que, para a monarquia sobreviver, teria que abdicar do trono. Foi assim que ensaiou uma transição para o filho, Filipe VI que, no início, pareceu ser um Rei mais moderno, que poderia unificar os diversos Povos de Espanha, esforçando-se inclusivamente por falar sempre nas diversas línguas regionais. Com a crise catalã, o Rei ficou, porém, totalmente ausente, sendo que poderia perfeitamente mediar o conflito, fazendo um esforço para aproximar as diversas partes. Agora aparece, tarde e a más horas, com um discurso exclusivamente em castelhano, a criticar a Generalitat e a manifestar apoio total ao desacreditado governo do PP, depois das cargas policiais que fizeram 800 feridos e de a Catalunha ter respondido com uma impressionante greve geral, que paralisou a região.

 

Sempre fui de opinião que o conflito catalão tinha que ter uma resposta política, mas que a mesma surgiria, levando a que não se chegasse à ruptura com Espanha. Depois da desastrada resposta jurídica de RajoY e do ainda mais desastrado discurso do Rei, já acho que a independência da Catalunha é inevitável. Filipe VI pode dizer adeus ao seu  título de Conde de Barcelona, e vamos ver se não diz também adeus ao título de Rei de Espanha. Se é para dizer disparates, mais valia estar calado. Nas imortais palavras do seu paizinho, "porque no te callas"?

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publicado por Luís Menezes Leitão às 23:22

A judicialização da função governativa.

Terça-feira, 03.10.17

Um dos graves erros cometidos por Rajoy foi tentar judicializar o problema que tinha em mãos na Catalunha, remetendo tudo para os tribunais. Mas um dos princípios básicos do Estado de Direito é o da separação de poderes. E essa separação implica não apenas que os governos não podem dar ordens aos tribunais, mas também que os tribunais não se devem imiscuir em funções governativas ou administrativas. Os tribunais podem anular os actos ilegais do governo e da administração pública, mas não podem eles próprios decidir exercer essas funções. Até porque não estão em condições de fazer a avaliação política que sempre se exige aos governantes.

 

Lembrei-me a este propósito do exemplo português do caso das touradas de Barrancos. Em Portugal os touros de morte são proibidos, mas Barrancos desde tempos imemoriais que matava o touro na sua festa de Agosto, sem que nenhuma autoridade interviesse. Apesar disso, houve movimentos defensores dos animais que instauraram acções judiciais a exigir que o governo impedisse as referidas touradas. E os juízes muito prontamente deferiam essas acções, exigindo que a guarda fizesse cumprir à força a lei do país, e notificando o governo para cumprir essa ordem judicial. Num Estado de Direito não existem iniciativas (nem touradas) fora da legalidade.

 

O assunto foi parar às mãos do Ministro da Administração Interna, Jorge Coelho, que percebeu perfeitamente o que estava em causa. Sendo a população de Barrancos de tal forma aficionada pela sua festa, a única maneira de impedir a tourada era fazer a polícia de choque carregar sobre a multidão. E como a multidão não tinha para onde fugir, uma vez que à praça principal da vila só se acede por ruelas estreitas, ou a multidão era brutalmente espancada, ou a própria polícia ficava cercada na vila. E o Ministro compreendeu que a última coisa que queria era aparecer nas televisões a gabar-se da sua vitória de ter conseguido impor a ordem judicial e salvar o touro, exibindo ao mesmo tempo uma multidão brutalmente espancada, eventualmente com feridos e mortos, ou uma polícia cercada. Por isso recusou-se a dar ordens à polícia para intervir. E, para evitar situações semelhantes, a própria lei foi mudada e hoje a população de Barrancos lá vai fazendo a sua tourada sem que ninguém a incomode. As leis não são imutáveis e têm que ser adaptadas às circunstâncias. Mandar fazer justiça, mesmo que em consequência o mundo acabe (fiat iustitia, et pereat mundus) nunca foi uma boa ideia.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 11:48





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