O arroz carolino na política portuguesa.
Nas suas Memórias, Pedro Theotónio Pereira relata um episódio ocorrido em 1937 quando era Ministro do Comércio e Indústria do governo de Salazar. Como a guerra civil de Espanha tinha provocado problemas no abastecimento de bens alimentares no país, viu-se obrigado a recorrer a alternativas nas importações de arroz. Um dia Salazar convida-o para uma reunião na sua residência, onde discutem os assuntos relativos ao seu Ministério. A certa altura repara que Salazar pára de falar de um assunto que estava a tratar e tira os óculos, sinal de que pretendia mudar de assunto. E diz singelamente a Theotónio Pereira: "A Maria contou-me que o arroz que vocês andam a distribuir é uma porcaria. Quer-se o arroz carolino, que é o de que toda a gente gosta, e não se encontra em lado nenhum".
Theotónio Pereira fica gelado, pois nunca pensou que, como Ministro, teria que discutir abastecimentos com a governanta de Salazar. Mas engole em seco, e pede que Salazar chame a D. Maria para se juntar à reunião. Ouve atentamente as reclamações desta, toma nota e promete resolver o assunto, o que de facto faz, reforçando a importação do arroz carolino para que não houvesse falha no abastecimento.
Passaram 80 anos e o drama político do arroz carolino voltou, uma vez que a Assembleia da República aprovou por unanimidade uma proposta do PCP a recomendar um maior consumo de arroz carolino. Na altura em que o Parlamento recebeu um relatório arrasador sobre o colapso dos serviços de Estado em Pedrógão Grande, os deputados entretêm-se com a magna questão do arroz carolino. Depois admirem-se que os portugueses lhes dêem o arroz.