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O caso de Famalicão.

Quarta-feira, 02.09.20

Fiz a minha escola primária no Colégio Moderno onde nunca vi que se procurasse ensinar às crianças nada mais do que os conteúdos escolares habituais. Quando, porém, entrei no ciclo preparatório na escola oficial em 1973 descobri que existia uma disciplina de Religião e Moral, que me pareceu imediatamente uma disciplina diferente das demais, quer pelos conteúdos, quer pelo estilo de leccionação.

Embora tivesse apenas dez anos e tivesse tido uma educação religiosa na família, estranhei por isso imenso as aulas nessa disciplina. Soube, porém, que a disciplina não era obrigatória, podendo os alunos ser dispensados da frequência das aulas se o encarregado de educação fizesse um requerimento nesse sentido. Convenci, por isso, o meu Pai a elaborar esse requerimento, argumentando que, se fosse dispensado de assistir a essas aulas, teria mais tempo para estudar as outras disciplinas que me pareciam efectivamente importantes.

Levei assim com entusiasmo o requerimento assinado à escola, solicitando a dispensa da frequência dessas aulas. Ao contrário do que eu esperava, o requerimento foi, no entanto, recebido com imensa perplexidade, uma vez que parece que ninguém se tinha até então atrevido a exercer esse direito. A Professora perguntou superiormente o que deveria fazer, e o Conselho Directivo da escola reuniu de urgência sobre o assunto. No fim da reunião, informaram-me que o requerimento do encarregado de educação não era suficiente e que eu teria que continuar a frequentar as aulas até haver uma decisão final do Ministério da Educação. E assim, com imenso sacrifício, lá frequentei essas aulas, o que só confirmou a minha opinião sobre a sua inutilidade absoluta. Os tempos foram passando e acabei por me convencer de que o direito que eu tinha exercido para não frequentar essas aulas não iria ser reconhecido.

Só que, passado um mês, a Professora informa-me que o Ministério da Educação tinha deferido o requerimento e que eu afinal estava dispensado de frequentar as aulas de Religião e Moral. Imediatamente me despedi com imensa alegria de todos os Colegas, os quais ficaram furiosos por continuarem sujeitos a essa provação, enquanto eu era dispensado. Foi aí que aprendi que os direitos existem para ser exercidos, independentemente de os outros não quererem que o façamos.

Não faço a mínima ideia se a actual disciplina de Educação para a Cidadania constitui ou não uma situação semelhante à Religião e Moral do meu tempo. Sei, porém, que o art. 43º, nº2, da Constituição proíbe o Estado de "programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas". E que, perante uma disposição constitucional que toda a gente parece querer esquecer, houve alguém que a decidiu invocar. Só isso me parece meritório.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 10:49





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