Portugal no lixo.
A reacção à notação atribuída pela Moody's à dívida pública portuguesa fez-me lembrar a daqueles alunos que depois de prestarem fraquíssimas provas de exame ficam indignados com a classificação atribuída. Vêm depois dizer que não foram examinados na altura correcta, que lhes deveriam ter dado mais tempo para estudarem, que estão a ser objecto de perseguição por qualquer razão, que a escola é má, que o sistema de ensino é péssimo, que não lhes deram condições para terem bons resultados, etc., etc., etc. Naturalmente que eles estão totalmente isentos de responsabilidade pelo fraco resultado que tiveram, o qual foi totalmente devido a esses factores externos.
As reacções dos mais altos responsáveis do Estado a esta decisão da Moody's foram absolutamente despropositadas. O Primeiro-Ministro da Nação não pode dizer que leva "um murro no estômago" quando o país recebe a notação de uma qualquer agência de rating. E muito menos o Chefe de Estado Português pode falar de uma conspiração americana contra os países europeus, em óbvia contradição a anteriores declarações suas sobre o mesmo tema. A notação da Moody's de que o investimento em títulos da dívida pública portuguesa é de carácter especulativo pode ser exagerada, mas não deixa de ter fundamentos em que se baseia. Vejamos quais.
Portugal não cresce há dez anos. Conforme o actual Ministro da Economia referiu aqui, em 2000 a dívida pública portuguesa era de 50% do PIB e hoje ronda os 100%, o valor mais alto dos últimos 160 anos. A dívida externa líquida já ronda os 110% do PIB, tendo a dívida externa total ultrapassado os 230%, os valores mais altos dos últimos 120 anos. O país nos últimos anos não tem parado de viver acima das suas possibilidades, entrando numa espiral de endividamento como um consumidor irresponsável.
Mas perante isto o que fez o Estado Português nestes dez anos? Aumentou sempre sucessiva e de forma louca os impostos, sem nunca cortar na despesa. Em 2000 a taxa máxima de IVA era de 17%. Hoje é de 23%. Em 2000 a taxa máxima de IRS era de 40%. Hoje é de 46,5%. O peso dos impostos que os cidadãos portugueses pagam é absolutamente esmagador e são insustentáveis novos aumentos.
Apesar dessa enorme subida de impostos, o Estado teve sempre que ir procurar receitas extraordinárias para cumprir o défice imposto por Bruxelas. Assistimos com estupefacção à titularização dos créditos fiscais, à aquisição do Fundo de Pensões da CGD, ao lease-back de património do Estado, à transferência do Fundo de Pensões da PT, etc., etc.. Ora, qualquer pessoa com conhecimentos básicos de economia percebe perfeitamente que este caminho não é sustentável. Foi por isso que se tornou imprescindível uma mudança de caminho, e daí a mudança do Governo.
Sucede, porém, que quando se esperava um caminho novo, o que se teve foi mais do mesmo: um imposto extraordinário retroactivo, e por isso inconstitucional. Com a agravante de o Primeiro-Ministro o ter anunciado no Parlamento sem sequer explicar quais as bases legais em que o mesmo assentaria, alegando que tal ainda estava em estudo. Perguntamo-nos se alguém investiria num país em que o Governo pode a todo o tempo anunciar impostos retroactivos sobre os rendimentos, sem sequer se preocupar com o enquadramento legal dos mesmos.
Além disso, o programa do Governo deu claramente a ideia de que se estava a procurar atenuar o rigoroso cumprimento das medidas da troika. As autarquias locais devem ser reduzidas em Portugal? Vamos limitar a redução às freguesias. Deve ser liberalizado o congelamento das rendas, grande responsável pelo endividamento externo do país e pela degradação do parque imobiliário? Procuraremos resolver o problema no prazo de 15 anos, remetendo assim a questão para os nossos sucessores.
Perante isto, há quem se espante por haver agências de rating que colocam o risco de default de Portugal acima do do Paquistão. Alguém já se preocupou em ver se se passam coisas semelhantes no Paquistão?