Dunkirk.
O novo filme de Christopher Nolan não é uma das suas melhores realizações, estando a milhas, por exemplo, de Batman, o Cavaleiro das Trevas. Mas não deixa de ser um objecto peculiar no quadro dos filmes de guerra. Normalmente os mesmos relatam vitórias épicas, como O Dia Mais Longo ou Inimigo às Portas, sendo raros os filmes que se debruçam sobre desastres militares, ainda que o desastre de Pearl Harbor tenha naturalmente inspirado Hollywood pelo impacto que teve na história americana. Mas Dunkirk relata uma situação completamente diferente, a fuga bem sucedida de um exército ao inimigo. É isso que o torna particularmente interessante.
A história de Dunquerque é conhecida. Depois do avanço fulminante da Blitzkrieg os exércitos inglês e francês ficaram completamente cercados nessa praia, onde poderiam ser facilmente destruídos pelas tropas alemãs. Estas lançavam inclusivamente panfletos a apelar à rendição dos exércitos aliados, apanhados numa verdadeira ratoeira.
Churchill compreende que, se o seu exército fosse destruído ou capturado em Dunquerque, nada poderia impedir os alemães de ocuparem a Grã-Bretanha e decide lançar a operação Dínamo, mandando uma série de barcos, não só militares mas também civis, para recolher 45.000 homens, uma pequena percentagem dos 400.000 soldados que estavam em Dunquerque. Uma vez que a Lufwaffe não hesitou em bombardear os barcos e as tropas em retirada, foi necessário o apoio da RAF para proteger a evacuação das tropas. Mas essa evacuação foi um enorme sucesso, tendo sido retirados 300.000 soldados, o que foi talvez decisivo para Hitler não ter invadido a Grã-Bretanha.
É muito curioso examinar no filme a forma como os donos de barcos civis foram sem uma hesitação para Dunquerque retirar as tropas e a reacção do povo inglês ao regresso do seu exército. Os soldados sentiram-se envergonhados ao regressar naquelas condições, mas viram com espanto que a população estava eufórica com o seu salvamento. Mas não porque tivesse ignorado a dimensão do desastre. Churchill reconheceu que o tinha sido e no seu discurso no Parlamento Britânico preparou a Nação para derrotas ainda maiores: "Defenderemos a nossa Ilha, seja qual for o custo, combateremos nas praias, combateremos nos locais de desembarque, combateremos nos campos e nas ruas, combateremos nas colinas, nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande parte dela vier a ser subjugada e passar fome, então o nosso Império de além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho".
Este discurso é brilhante, não só pelo estímulo à perseverança e ao combate, mas também pelo seu realismo. Churchill nada esconde dos seus cidadãos e avisa-os de que pode vir a passar-se uma invasão e até a ocupação total da Grã-Bretanha pelos nazis. No Portugal de hoje, em que as vítimas das tragédias são escondidas sob a capa de critérios burocráticos, e os cidadãos se permitem viver numa realidade alternativa, as pessoas deveriam prestar especial atenção a Dunkirk.