A crise do Brexit.
O Reino Unido está neste momento a atravessar uma crise constitucional sem paralelo desde a Revolução Gloriosa de 1688. Embora desde sempre o sistema de governo britânico tenha assentado na soberania do parlamento, a verdade é que essa soberania era delegada no governo e no gabinete, criando assim o que se convencionou chamar de parlamentarismo de gabinete. Nem na "hora mais negra", em que as tropas de Hitler arrasaram o exército britânico na Europa, ou durante a batalha de Inglaterra, em que Londres foi sistematicamente bombardeada, alguma vez o parlamento se imiscuiu nas competências do gabinete. Hoje, quando decide tomar o processo do Brexit directamente nas mãos, o parlamento britânico abandona o sistema parlamentar de gabinete para adoptar um sistema parlamentar de assembleia. É extraordinário é que a primeira-ministra se mantenha no cargo depois de ser desautorizada desta maneira.
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O gato Brexit.
Parece que a Ministra francesa para os assuntos europeus decidiu chamar Brexit ao seu gato porque ele mia desesperadamente para o deixarem sair, mas não se atreve a atravessar a porta.
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May Day.
Quando um chefe de governo faz esta figura no Parlamento, é óbvio que o seu tempo acabou. Theresa May deveria ir-se imediatamente embora e poupar o Reino Unido a mais episódios tristes destes. Quem vier a seguir que aproveite a abébia que o Tribunal de Justiça da União Europeia (tão criticado pelos defensores do Brexit) acaba de lhes dar. A continuarem neste caminho arriscam-se a afundar de vez a sua ilha.
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O acordo do Brexit.
É raro assistirmos ao descalabro de um governo em directo. Hoje parece que é isso o que se está a passar no Reino Unido. Parece que os ministros estão na situação daquele célebre dito brasileiro: "Se fugir, o bicho pega, se ficar o bicho come".
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Não aprenderam nada!
O ano passado esta cimeira incluiria o Primeiro-Ministro inglês. Mas como os eleitores ingleses já disseram o que pensam de todo este disparate, os verdadeiros governantes da Europa passaram a reunir-se a três, deixando naturalmente os países servos de fora. E estes três estarolas acham que a solução para o Brexit é mais integração, ou seja, ainda maior domínio dos Estados pequenos pelos grandes, uma vez que estas cimeiras deixam claramente perceber que as instituições comunitárias não passam de um verbo de encher, já que estes países e só estes é que mandam na Europa.
Esperava-se que a saída do Reino Unido fizesse esta gente ter um pouco mais de decoro. Mas afinal parece que se lhes aplica a frase que Talleyrand disse dos Bourbon: "Não aprenderam nada nem esqueceram nada!". É assim inevitável que ao Brexit venham a seguir-se muitos outros "exit". No fim, a Europa dos 27 deve acabar por ser a Europa dos 3. Na realidade, nunca foi outra coisa.
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Uma democracia a sério.
Tudo o que se passou no Reino Unido em virtude do Brexit demonstra bem o que é uma democracia a sério. Em primeiro lugar, há que louvar a atitude de David Cameron que, confrontado com o crescimento das posições eurocépticas no seu país, resolveu a questão como se impunha: convocou um referendo e decidiu ouvir o povo. Nesse referendo, batalhou pela permanência, mas admitiu perfeitamente que membros do seu partido, e até do seu governo, estivessem do lado contrário. Que diferença para Portugal em que os partidos parecem unipessoais e não se conhecem posições divergentes nos governos sobre coisa nenhuma.
Confrontado com a derrota, David Cameron fez o que tinha a fazer: demitiu-se. É manifesto que não poderia ser ele a liderar o processo. Mais uma vez é abissal a diferença para com Portugal, em que os governantes não se demitem por razão nenhuma, agarrando-se ao poder como lapas. Guterres foi estrondosamente derrotado num referendo sobre a regionalização e limitou-se a dizer que afinal ia tratar da descentralização.
Saindo David Cameron da liderança, a regra no Reino Unido é que outro membro do partido deve assumir a chefia do governo. O chefe do governo é naturalmente escolhido pelos deputados, que livremente decidiram escolher Theresa May. Mais uma vez uma diferença colossal para Portugal, em que Durão Barroso, que entretanto se converteu de político em actual cherne-man da Goldman Sachs, saiu mas impôs ao país Santana Lopes, tendo todos os deputados apoiado pacificamente essa decisão. O resultado foi o que se sabe, abrindo as portas de par em par para o que se seguiu. No Reino Unido isso nunca sucederia, porque os deputados são eleitos em círculos uninominais, e prestam contas aos seus eleitores, não dependendo da inclusão de um nome pelo líder do partido em listas que os eleitores ignoram.
A nova primeira-ministra, Theresa May, tinha sido uma apoiante do Bremain, mas nem por um momento pôs em causa a escolha do seu povo. Tanto assim que já indicou Boris Johnson, principal figura do Brexit, para Ministro dos Negócios Estrangeiros, mandando iniciar o processo de saída. Que diferença para outros países, onde se repetem referendos até darem a reposta que os eurocratas de Bruxelas desejam. E noutros casos nem sequer se fazem referendos absolutamente nenhuns, como é o caso de Portugal, onde ninguém quer saber o que pensa o seu povo sobre os desmandos a que tem vindo a ser sujeito nesta União.
Os profetas da desgraça em torno da decisão soberana do Reino Unido vão ver todas as suas profecias cair como um castelo de cartas. Não vai haver nenhum colapso económico do Reino Unido, uma vez que se alguém está mal é precisamente o resto da Europa, onde até a banca italiana ameaça colapsar. O Reino Unido não se vai desfazer, porque a Escócia, depois da queda do preço do petróleo, não tem hoje quaisquer condições económicas para ser independente. E mesmo que as tivesse, nunca entraria na União Europeia, uma vez que a Espanha se oporia sempre, já tendo Rajoy declarado que, se o Reino Unido sai, a Escócia também sai. A saída do Reino Unido do desastre que é hoje a União Europeia, com os seus ridículos processos de decisão, incluindo sobre sanções, vai confrontar os restantes povos europeus com um povo que não se rende nem se submete. Desde Churchill que todos na Europa deveriam saber que do outro lado da Mancha é assim.
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Porreiro, pá!
Grande parte dos sarilhos que a União Europeia está agora a atravessar deve-se ao Tratado de Lisboa, que constituiu uma forma encapotada de impor aos cidadãos a mesma Constituição europeia que tinha sido estrondosamente rejeitada em referendo na França e na Holanda. Na altura Sócrates e Barroso alinharam nessa mascarada vergonhosa, através da qual os líderes europeus fizeram questão de tomar os seus próprios cidadãos por parvos. Agora Sócrates, como se nada tivesse a ver com o assunto, escreve um artigo a criticar o défice democrático da União Europeia, a que chama "o desencantamento". Eu chamar-lhe-ia antes "o descaramento". O Tratado de Lisboa foi exigido pelos Estados grandes para lhes permitir manter a maioria no Conselho, mesmo depois das sucessivas adesões de novos países à União Europeia. Sócrates aplicou escrupulosamente a receita que lhe encomendaram e agora queixa-se de défice democrático? Só para rir.
O resultado desta cegueira europeia está bem à vista no discurso triunfante de vitória de Nigel Farage no Parlamento Europeu. Descontando a agressividade e os insultos, há uma coisa em que Farage tem razão: o motivo pelo qual os ingleses votaram pelo Brexit foi precisamente pelo facto de lhes terem imposto pela fraude uma união política, sem o mínimo cuidado de assegurar o consentimento dos povos. E agora, perante o falhanço total desse projecto, com a moeda europeia a revelar-se um desastre para os países do Sul, a União Europeia vive em estado de negação, persistindo em nada fazer. E a única coisa que os seus apoiantes têm para dizer é que a integração europeia assegurou 70 anos de paz na Europa. O Império Romano também assegurou 400 anos de paz na Europa e acabou por cair às mãos daqueles que dominava.
O projecto europeu de Schumann e Monet sempre assentou na construção da unidade europeia através de pequenos passos. Desde o falhanço da Comunidade Europeia de Defesa em 1953 que se sabe que é um risco enorme avançar precipitadamente em projectos de integração que não têm garantido o adequado consenso. No caso do Tratado de Lisboa sabia-se perfeitamente que não só não havia consenso, como havia uma vontade popular clara no sentido da sua rejeição, como ficara demonstrado pelos referendos negativos à constituição europeia. Avançou-se ainda assim e hoje os resultados estão à vista. Quando se fizer a história do início do fim do projecto europeu é a imagem de cima que ficará.
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A Europa em colapso.
Há uma coisa que as pessoas não querem entender e que é que os povos votam de acordo com os seus interesses. Já Lord Palmerston dizia que a Inglaterra não tinha amigos permanentes nem aliados perpétuos. O que sempre teve foi interesses permanentes e perpétuos. Por isso as decisões políticas em Inglaterra sempre se basearam nos interesses do seu povo e não nos dos povos alheios.
Foi precisamente isso o que fizeram os ingleses ao votarem pelo Brexit. Não votaram assim porque preferiram os mauzões eurofóbicos apoiantes de Farage e companhia aos jovens cultos de Cameron, que aspiram a percorrer a Europa. Votaram assim porque entendem que o Reino Unido não tem neste momento na Europa o peso e a influência que deveria ter. E o resultado não foi apenas a consequência de uma luta interna no Partido Conservador, mas sim de cidadãos comuns que votam de acordo com os seus interesses. O Partido Trabalhista descobriu com surpresa que nos seus bastiões eleitorais a votação pelo Brexit foi esmagadora.
Diz-se que a consequência disto pode ser a saída da Escócia do Reino Unido. Sempre fui favorável à independência da Escócia, mas se alguém está convencido que um novo referendo escocês implica a permanência da Escócia na União Europeia está muito enganado. O que está nos Tratados é que um Estado só adere à União Europeia com o acordo unânime dos seus membros e a Espanha nunca deixará a Escócia entrar na União Europeia, uma vez que tal seria um precedente para a entrada da Catalunha. Mais uma vez, da mesma forma que a Inglaterra, a Espanha só tem interesses.
É por isso que enquanto houver gente convencida de que a União Europeia pode funcionar gerida por um Conselho onde os Estados grandes têm maioria assegurada e vão lá apenas para defender os seus interesses, a que os pequenos se submetem, a Europa nunca se reformará. O resultado disto é termos um pateta como Presidente do Conselho Europeu, que está convencido de que uma frase de Nietzsche é da autoria do pai dele. Ou a União Europeia se reforma ou caminha para o colapso. Ao contrário do que Juncker declarou antes de sair a correr da sala, isto é mesmo o princípio do fim.
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Brexit.
Sempre me considerei eurocéptico, mesmo quando políticos, como Pacheco Pereira ou Freitas do Amaral, que hoje dizem da União Europeia o que Maomé não disse do toucinho, faziam intensamente campanha pela ratificação do Tratado de Maastricht, como é óbvio sem referendo, porque as elites iluminadas nunca querem ouvir os cidadãos. Para mim a União Europeia nunca passou de um processo para conseguir que os Estados pequenos fossem absorvidos pelos grandes, e que estes por sua vez se subordinassem ao eixo franco-alemão. Neste momento, esse objectivo foi plenamente conseguido. Quando o Presidente da República, num verdadeiro acto de vassalagem, vai a Berlim pedir que não haja sanções a Portugal, fica-se a saber quem verdadeiramente manda na Europa e como as instituições europeias não passam neste momento de um verbo de encher.
É por isso compreensível que o Reino Unido neste momento esteja a equacionar seriamente a saída da União Europeia. A acontecer, não será novidade nenhuma. A Gronelândia também já saiu num referendo, levando a que nessa altura a então CEE tivesse perdido metade do seu território. Mas a Gronelância é uma pequena economia, cuja saída não teve grande impacto. Já o Reino Unido é a quinta economia do mundo e a sua saída terá um impacto devastador, não apenas para a Europa, mas também para o mundo em geral. Mas apesar disso, o povo britânico está profundamente dividido, com os jovens a encarar seriamente a saída, enquanto que os mais velhos optam pela continuação.
Pessoalmente, se fosse britânico, não votaria pela saída do Reino Unido da União Europeia. Em primeiro lugar, o Reino Unido conseguiu um opt-out numa série de matérias, incluindo a não participação no euro, o que leva a que a participação na União Europeia lhe seja mais benéfica do que prejudicial. Se saísse, ficaria na mesma posição da Noruega, que tem que adoptar todas as directivas europeias para comerciar com o espaço europeu, mas não participa no processo de decisão. Por outro lado, há partes do país, como a Escócia, que são fortemente contrárias à saída, pelo que, a concretizar-se esta, poderia conduzir a breve trecho à dissolução do país.
Mas o povo britânico é muito cioso da sua independência, e a verdade é que a União Europeia está há muito tempo transformada numa organização que só serve à Alemanha, que goza calmamente dos seus excedentes, enquanto o resto da Europa todos os dias definha. É por isso fácil à campanha do Brexit continuar a apresentar o estatuto especial britânico como um caso de dominação, como se vê no cartoon abaixo.
O que se deve, por isso, perguntar é o seguinte: Se os ingleses, apesar de todo o estatuto especial que conseguiram, se vêem como meros vassalos europeus, o que dirão então os portugueses? Seja qual for o resultado do referendo, é bom que o mesmo sirva para se perceber que a União Europeia tem que levar uma grande volta. Como está, não pode continuar.