A explicação.
Vejo muita gente à esquerda altamente preocupada com a suposta hesitação de Cavaco em dar posse ao magnífico Governo, que tão laboriosamente António Costa construiu em três "acordos" com os partidos à sua esquerda. Não compreendem as audições que o Presidente está a realizar e especialmente não conseguem compreender por que razão foi agora o Presidente à Madeira.
A explicação é simples: Cavaco foi à Madeira recordar as técnicas de anilhar cagarras. E quando voltar, explicará calmamente a António Costa que, ou ele anilha o BE, o PCP e o PEV num acordo de governo a sério, ou que se prepare para ser ele o anilhado, mantendo-se fora do governo até às próximas eleições.
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Em pratos limpos.
Já considerei aqui que Cavaco tinha dado desnecessariamente a mão a António Costa quando apelou à formação de um governo maioritário, obrigando a coligação a fazer negociações com um PS que, com esta liderança, deixou de ser um partido credível. Se não o tivesse feito, nunca teríamos assistido a estas cenas ridículas de uma peça encenada, a fingir que não se conseguia progredir com a coligação, mas que se conseguia progredir com o PCP e o BE, que já tinham abandonado posições radicais e dado as mãos para formar um governo que iria respeitar a união europeia, o euro, o tratado orçamental e o pacto de estabilidade e crescimento. É evidente que nada disto era possível e Costa apresentou-se em Belém com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Nenhum dos outros partidos aceitou ir para o governo e a única coisa que António Costa conseguiu foi um compromisso de os outros partidos darem apoio parlamentar a um governo do PS, depois de chumbarem o governo da coligação.
Isto é precisamente a coligação negativa que António Costa tinha rejeitado na noite eleitoral, sendo certo que esse governo do PS cairia no momento em que propusesse a sua primeira medida de austeridade. Um político responsável nunca sujeitaria o país a um risco desses, mas António Costa parece julgar que ainda está a disputar eleições para a Associação Académica da Faculdade de Direito, querendo formar um governo em joguinhos infantis.
Na comunicação de ontem Cavaco Silva demonstrou-lhe, no entanto, que não vai pactuar com esses joguinhos e pôs tudo em pratos limpos. Não só indigitou Passos Coelho como primeiro-ministro, como avisou expressamente que não daria posse a um governo de esquerda. Por muito que se diga o contrário, no nosso sistema político o Presidente da República tem esse poder e está farto de o exercer. Eanes já rejeitou o governo Vítor Crespo e Soares o governo Vítor Constâncio, tendo ambos maioria no parlamento, sendo que a única vez em que o Presidente aceitou um governo que não tinha saído das eleições foi com Santana Lopes, e tanto se arrependeu de o ter feito, que seis meses depois estava a dissolver o parlamento.
É claro que se pode contrapor que neste momento o Presidente não pode dissolver o parlamento, mas isso não o obriga a aceitar um governo que entende não ser credível, podendo manter perfeitamente em funções de gestão o governo anterior até que o novo Presidente recupere esses poderes. Neste quadro, bem podem PS, BE e PCP andar a berrar aos quatro ventos que têm um governo de maioria na assembleia, e rejeitar o governo nomeado, uma vez que só formam governo se o Presidente assim decidir. E, ao contrário do que diz Vital Moreira, na nossa história constitucional um governo de gestão já fez aprovar um orçamento no parlamento. Foi o que aconteceu quando Eanes recusou o governo de Vítor Crespo, após a demissão do governo de Balsemão, tendo dito na altura que iria aguardar que o parlamento aprovasse o orçamento antes de o dissolver, como efectivamente ocorreu.
A saída mais provável disto é assim novas eleições a partir de 4 de Abril. O que me pergunto, no entanto, é o que leva o PS a insistir nesta deriva suicidária, sabendo que chegará esfrangalhado a essas eleições. O novo PS aparecerá aos eleitores como um partido de perdedores ressabiados, que terá como única bandeira constituir um governo de frente popular, baseado num acordo parlamentar risível, que não lhe dará um único voto ao centro, nem sequer o voto útil da esquerda. Irá o PS seguir António Costa nesta sua proposta de suicídio colectivo do partido? É o que iremos ver.
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O disparate.
Há muito que acho que Cavaco Silva perdeu completamente o sentido de avaliação política e deveria rapidamente ir-se embora. Em 2013 arrastou penosamente uma crise política por mais de um mês, com os juros a dispararem, depois de Passos Coelho a ter resolvido em dois dias. Tudo isto para tentar puxar o PS para o governo, o que qualquer analista político lhe explicaria ser completamente impossível. Mas Cavaco há muito que sonha em tutelar um governo de bloco central, o que daria ao Presidente uma maior intervenção política.
Ontem assistimos a uma manipulação política de primeira ordem, ainda que absolutamente infantil. Primeiro aparecem assessores de Cavaco a publicar na imprensa um artigo, referindo que na Europa há governos de coligação com três ou até com seis partidos, e apelando a uma solução estável de governo. À noite Cavaco, sem esperar pela tradicional ronda aos partidos, comunica que Passos Coelho foi encarregado de obter esse acordo, julga-se que com o PS, já que o PAN manifestamente não serviria para grande coisa, e os outros dois partidos não preenchem os requisitos de estar com a NATO e com a Zona Euro. É óbvio que este acordo seria uma patetice gigantesca, pois a primeira coisa que o PS exigiria para ir para o governo era correr com metade dos boys que a coligação já pôs no aparelho de Estado, para os substituir pelos seus próprios, única maneira de Costa conseguir salvar a pele. Estranhamente, os partidos da coligação alinharam com Cavaco, declarando-se disponíveis para construir consensos. Eu, no lugar deles, teria apelado antes publicamente a Cavaco para que tivesse juízo. É evidente que esta brincadeira vai atrasar consideravelmente a formação do novo governo, com sérios prejuízos para a elaboração do orçamento de Estado.
Cavaco deveria ter-se limitado a fazer a habitual audição aos partidos e depois convidado Passos Coelho para formar governo. Logo se veria então se o governo era ou não rejeitado pelo Parlamento, sendo que, se o PS o fizesse, assumiria as responsabilidades. Com isto Cavaco lançou uma tábua de salvação a António Costa, que a agarrou com as duas mãos. Libertou-se imediatamente de Sampaio da Nóvoa, que só existe publicamente por sua causa, e transformou o PS, de partido alternativa em partido charneira, capaz de formar governo com qualquer dos partidos parlamentares, dependendo de quem lhe faça a melhor oferta. Com isto, o país vai mergulhar num enorme sarilho e a culpa é toda de Cavaco. Confesso que já começo a estar farto dos disparates do Presidente. Quando em Março Cavaco for embora, já vai tarde.
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Crisis? What crisis?
Cavaco: "Se a Grécia sair ficam 18".
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Viagem à irrealidade quotidiana.
Cavaco Silva devia estar em Belém, preocupado em arranjar uma solução que acabasse com o penoso espectáculo que todos os dias este Governo exibe. Agora, depois do caos criado na justiça e na educação, o Governo resolveu chamar parvos a todos os portugueses, prometendo uma baixa de impostos, a ser realizada pelo governo seguinte. Por muito menos que isto Sampaio terminou com o governo de Santana Lopes, que não tinha feito um décimo dos disparates deste. Mas Cavaco não liga nenhuma ao que se passa com o governo, preferindo deslocações ao interior, onde mostra triunfante os poucos exemplares que por milagre ainda lá resistem, depois de o Estado ter desaparecido do seu território. Fazendo mais uma dessas suas viagens de pesquisa, desta vez a Vale de Cambra, Cavaco resolveu puxar as orelhas ao Primeiro-Ministro e à Ministra das Finanças por terem confessado que os contribuintes afinal iriam suportar prejuízos com o Novo Banco. Para Cavaco, trata-se de uma coisa completamente errada. Não faz sentido dizer-se que "que pela via da redução dos lucros da CGD, os contribuintes podem vir a suportar custos pela resolução do BES". Lucros, Senhor Presidente? Por acaso já olhou para os custos da intervenção no BES? Se a CGD, para poder absorver o BPN, teve que realizar um aumento de capital, que o Estado subscreveu integralmente, como é que, apenas com os seus lucros, pode pagar as dívidas ao Fundo de Resolução? É melhor parar com as viagens ao interior bucólico e pacífico e olhar um pouco mais para o que de facto se passa no centro do furacão que atingiu o sistema financeiro.
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Cavaco Silva e o segundo resgate.
Se há coisa em que Cavaco Silva não tem mérito absolutamente nenhum é na questão da saída limpa de Portugal do programa de resgate financeiro. Verdade seja dita que o Governo também não tem grande mérito. Com uma taxa de inflação quase a zero, os juros que estamos a pagar no mercado são absolutamente insustentáveis e a almofada financeira que o Governo amealhou nos últimos tempos — e que nos permite viver um ano sem acesso aos mercados — vai-nos custar muito caro. Por isso, como o próprio Cavaco reconhecia, a solução correcta era o programa cautelar, só tendo sido adoptada a solução da saída limpa porque os nossos queridos parceiros europeus não estão dispostos a nos emprestar mais um cêntimo que seja, e muito menos nas vésperas de eleições europeias, que vão fazer crescer os partidos nacionalistas na Europa. É por isso que, como aqui escrevi, o anúncio do passado domingo foi apenas uma encenação.
Precisamente por esse motivo, Cavaco Silva deveria ter algum pudor em aparecer triunfante no Facebook, a verberar "as afirmações perentórias (sic) de agentes políticos, comentadores e analistas, nacionais e estrangeiros ainda há menos de seis meses, de que Portugal não conseguiria evitar um segundo resgate". Estaria, por acaso, a falar de afirmações como esta?
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Rumo à Presidência.
Tudo o que tinha escrito aqui sobre a candidatura de Durão Barroso à Presidência da República com o apoio simultâneo do PSD e do PS acaba de ser confirmado por esta curiosa conferência promovida pela Comissão Europeia em Lisboa, intitulada "Portugal: Rumo ao Crescimento e Emprego", mas que melhor se poderia chamar: "Barroso: Rumo à Presidência". Depois da elucidativa entrevista ao Expresso, parece que Durão Barroso já arrumou definitivamente os papéis como Presidente da Comissão Europeia, cargo em que se destacou por uma total ausência de intervenção, e dedica-se agora com afã a promover a sua candidatura presidencial. De facto, é incompreensível que o Presidente da Comissão Europeia tenha feito o ataque que fez ao Vice-Presidente do Banco Central Europeu, sem que o seu Presidente e o próprio Banco tivessem dito a mais leve palavra sobre o assunto. E também é incompreensível que a Comissão Europeia organize uma conferência com claro significado político em Portugal nas vésperas das eleições europeias, com a presença do próprio Presidente da Comissão, que tem um claro dever de neutralidade sobre as questões políticas internas do seu país. Mas a conferência realizou-se e agora é preciso ver o seu significado político.
Este significado é claro. Já se sabia que o PSD de Passos Coelho iria apoiar Durão Barroso nas presidenciais, por muito que Marcelo Rebelo de Sousa proteste na TVI ou leve os militantes às lágrimas nos Congressos. Agora ficou a saber-se que há um claro endorsement de Cavaco Silva a Durão Barroso, que pretende ver como o seu sucessor no cargo. Foram especialmente comoventes estas palavras carinhosas de Cavaco: "Posso testemunhar, como poucos, a atenção que o doutor Durão Barroso sempre prestou aos problemas do país e a valiosa contribuição que deu para encontrar soluções, minorar custos, facilitar apoios e abrir oportunidades de desenvolvimento". Fica-se a saber que Cavaco já escolheu o seu Delfim. Só é pena que os portugueses também possam "testemunhar, como poucos", a forma como Durão Barroso tratou o país, deixando um Governo em colapso com a sua ida para Bruxelas, e ameaçando recentemente que estaria o caldo entornado se não cumprissem as suas determinações. Mas reconheço que Cavaco tem razão quando diz que "Portugal e os portugueses muito lhe devem". Não só devemos como estamos a pagar todos os dias os empréstimos que a troika nos concedeu, mesmo que isso nos deixe só com pele e osso.
Mas o que foi elucidativo na conferência foi a reacção do PS. Ao contrário da restante oposição, que não quis estar presente, "o PS recebeu convite para assistir e deu liberdade a cada deputado para fazer o que entender". Conforme já tinha anunciado, parece claramente estar a desenhar-se a preparação de um governo de Bloco Central, para depois da queda de Passos Coelho, aparecendo, como contrapartida do apoio do PSD ao PS, o apoio deste a uma candidatura de Durão Barroso a Belém. Para isso o PS só tem que tirar António Costa do caminho, mas isso é fácil. Não é por acaso que o PS anda a reclamar nos últimos tempos o direito a nomear o próximo Comissário europeu. O PSD pode perfeitamente oferecer-lhe a nomeação de António Costa, o que permitiria tirar já do terreno alguém que poderia ameaçar simultaneamente a liderança de António José Seguro e a eleição de Durão Barroso. Parece que a estratégia de Cavaco de forçar um acordo entre Passos e Seguro vai agora cumprir-se sob a égide de Durão Barroso. Les beaux esprits se rencontrent.
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Um Presidente para governar.
Há longos anos, quando era estudante da Faculdade de Direito de Lisboa, a respectiva Associação Académica resolveu chamar todos os anunciados candidatos às eleições presidenciais para que discutissem com os estudantes as suas propostas. Surgiram assim inúmeros candidatos folclóricos, um dos quais aliás era comerciante de queijo da Serra, o que o tornou conhecido como o candidato do queijo da Serra. Mas o candidato que achei mais pitoresco foi um que anunciou vir defender o reforço dos poderes do Presidente da República até ao absoluto. O folheto de propaganda eleitoral que distribuiu continha mesmo um projecto de revisão constitucional e o candidato apresentava-se com o slogan: "Um Presidente para governar".
Foi desse episódio que me lembrei quando ouvi hoje o discurso de Cavaco Silva. O Presidente anunciou há duas semanas que rejeitava a remodelação do Governo, exigia aos três partidos que chegassem a acordo, e que haveria eleições no prazo de um ano. Hoje, lamenta que não se tenha atingido o miríifico acordo que propôs, volta a colocar as eleições no fim da legislatura, e mantém o Governo em funções, exigindo, no entanto, que o mesmo reforce a sua coesão interna. E por isso anuncia que o Governo irá apresentar uma moção de confiança no Parlamento. Pelos vistos Cavaco Silva quer mesmo é mandar no Governo. Mas se é assim, acho que Cavaco faria melhor em renunciar ao cargo de Presidente e candidatar-se a Primeiro-Ministro. Porque se é Cavaco quem decide os acordos de Governo e até moções de confiança, qual é o papel de Passos Coelho como Primeiro-Ministro?
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A coisa aqui está preta.
Os acontecimentos dos últimos tempos fazem-nos perguntar se é possível existir um país assim.
Primeiro o Presidente não aceita uma remodelação governamental e propõe eleições a prazo, mas ao mesmo tempo propõe qie cheguem a acordo três partidos que ultimamente não se têm entendido sobre coisa nenhuma.
Um partido que não existe, e só tem dois deputados, apresenta uma moção de censura no Parlamento. Quer a maioria quer a oposição aplaudem a iniciativa que consideram clarificadora. O maior partido da oposição acha normal estar simultaneamente a negociar com os partidos do Governo e a censurar o Governo. Já o Governo acha que a moção de censura do partido inexistente reforça a sua legitimidade.
Entretanto o Presidente mostra que tem outras prioridades. Afasta-se da confusão do continente e vai para as Selvagens agarrar calca-mares e anilhar cagarras. A não ser que a iniciativa seja um estágio para aprender a agarrar os partidos e anilhar os seus dirigentes, não se percebe a sua utilidade neste momento. Mas os Portugueses já se habituaram a considerar insondáveis os desígnios do Presidente.
Como cantava o Chico Buarque: "Uns dias chove, noutros dias bate o sol. Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui está preta". Alguém transmita esse recado ao Presidente.