Evocação das Lajes.
Há uma coisa que impressiona na política portuguesa e que é os políticos não terem consciência da sua pequena dimensão. A Portugal foi solicitado que albergasse nas Lajes a cimeira da guerra no Iraque apenas porque era geograficamente o local mais conveniente para a deslocação de Presidente dos EUA, do Primeiro-Ministro inglês e do Chefe do Governo espanhol. Não havia qualquer intenção de arrastar Portugal para a decisão ou de lhe dar qualquer papel na mesma. Miguel Portas percebeu isso muito bem quando disse que não sabia se Durão Barroso ia ser o porteiro ou o mordomo na cimeira, mas que uma dessas duas coisas seria certamente. Durão Barroso quis manifestamente ser mais que isso, falou numa cimeira 3 + 1, e esforçou-se imenso para aparecer na fotografia, mas a nível internacional a sua imagem foi cortada e ninguém lhe deu maior estatuto do que o de anfitrião da cimeira, ou seja, nenhum.
Como neste momento a memória da cimeira das Lajes caiu em desgraça, Durão Barroso achou que deveria partilhar o opóbrio da cimeira com Jorge Sampaio, dizendo que ele teria concordado com a mesma. Este obviamente não se deixou ficar, e lá publicou umas evocações presidenciais, para, segundo ele diz, "fazer uma breve revisitação dos anos 2002-2003 deste século, determinantes que foram para o caos que hoje se vive no plano internacional". Nessa "breve revisitação" sacou de todos os seus registos, acusando Durão Barroso de crimes tão hediondos como o de ter memória selectiva (!) e de o ter acordado às sete da manhã com esta questão (!!). Não nega ter efectivamente concordado com a cimeira, talvez devido ao facto de ter acordado estremunhado nesse dia, alegando, porém, que a sua concordância foi para evitar "abrir um conflito institucional que em nada serviria o país". Mais vale de facto evitar um conflito institucional no país do que uma cimeira no país para organizar a guerra no Iraque.
Mas mesmo assim Jorge Sampaio acusa Durão Barroso de ter organizado a cimeira nas suas costas, uma vez que a mesma foi realizada 48 horas depois, e "não é preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos". Se Jorge Sampaio acha que 48 horas, num período de crise internacional, correspondem a um abrir e fechar de olhos deve ter um sono muito profundo.
É assim claro que Jorge Sampaio concordou com a organização da cimeira nas Lajes. Ele próprio o reconhece, mas também diz que não tinha que ter concordado, uma vez que "não é necessário ser-se constitucionalista, para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar actos de política externa". Mas entende contraditoriamente que "o Presidente tem o direito constitucional a mostrar a sua discordância perante a condução da política externa e não está obrigado a acatar, sem intervenção e passivamente, decisões assumidas pelo Governo". Afinal em que ficamos?
Temos assim uma verdadeira guerra do alecrim e da manjerona sobre uma questão absolutamente ridícula: se a cimeira não fosse nas Lajes, mas nas Bermudas, nos Barbados, em Cabo Verde, ou até num porta-aviões a meio do Atlântico, a guerra teria sido evitada? É óbvio que não. Abrir esta discussão neste momento é por isso absolutamente ridículo. Os portugueses têm coisas muito mais sérias com que se preocupar.