Em profunda reflexão.
Desde que acordei que estou em profunda reflexão sobre em quem irei votar nas eleições de amanhã. Este dia é destinado à meditação e à reflexão profunda, não havendo tempo para fazer absolutamente mais nada. Não haverá o risco de tanta reflexão poder fazer mal à nossa saúde?
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Os debates presidenciais.
Dos debates presidenciais que até agora vi fiquei com uma conclusão óbvia. Estas eleições presidenciais são as mais tristes da história da democracia e a esmagadora maioria dos candidatos poderia seguramente fazer alguma coisa mais útil como, por exemplo, ir cultivar batatas em lugar de andar a recolher 7.500 assinaturas apenas pelo prazer de ocupar o espaço mediático numa candidatura presidencial completamente inútil.
Tem-se visto de tudo. Um candidato abandona um debate em directo, desrespeitando o compromisso com a televisão, apenas porque o tempo de antena que lhe deram não foi aquele que desejava. Outro candidato discursa sistematicamente contra a corrupção, parecendo que ainda não percebeu que o lugar em disputa não é o de procurador-geral da república. Outro candidato promete, imagine-se, alterar a constituição, competência que o presidente não tem, a qual é obrigado a jurar cumprir e fazer cumprir no acto de posse. E outro candidato passeia o seu habitual estilo gongórico, dizendo coisas de um absoluto vazio, como a de que é preciso "um tempo novo". E chegamos a assistir a debates em que os candidatos estão de acordo em tudo, sem que ninguém lhes pergunte se nunca pensaram em desistências recíprocas.
Os jornalistas moderadores assistem normalmente a este triste espectáculo com enfado e perplexidade, nada questionando a candidatos que manifestamente não têm nada de relevo para dizer. A excepção tem sido Rodrigues dos Santos que tem colocado aos candidatos algumas perguntas que devem ser feitas. No debate entre Sampaio da Nóvoa e Henrique Neto, ficou claramente à vista, por mérito deste último, a vaguidade total e a absoluta ausência de ideias de Nóvoa. Rodrigues dos Santos fez-lhe apenas algumas perguntas concretas, como qualquer jornalista tem o dever de fazer. Parece que por isso uma apoiante de Nóvoa apresentou uma queixa na ERC, demonstrando assim que os apoiantes de Nóvoa acham que os jornalistas estão nos debates como figuras de corpo presente, e que questionar o seu candidato já passou a ser crime de lesa-majestade.
Eu só peço a Deus que esta eleição presidencial acabe já à primeira volta. É que não há santo que aguente aturar mais duas semanas disto.
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O candidato menos mau.
Não concordo nada com a análise que o Luís Naves faz da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, considerando-o uma "personalidade com indiscutível carisma e conhecimento do país". E muito menos acho que Marcelo seja "capaz da moderação e da equidistância", ou "alguém que dê garantias de confiança e firmeza, de um presidente colocado ao centro, capaz de negociar com as diferentes forças, proporcionando entendimentos entre elas".
Pelo contrário, acho que Manuel Maria Carrilho disse tudo quando o qualificou como "ex-líder partidário, ex-candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, ex-ministro, etc. (tudo funções em que, aliás, nunca se destacou especialmente), titular de uma homília pastoral dominical, no telejornal nacional de várias televisões, como se cada minuto lá passado não estivesse ao serviço de ambições políticas pessoais, óbvias para todos". Como ele bem diz, durante os últimos 15 anos a sua actividade limitou-se a um comentário televisivo, que constituiu "uma humilhação constante da mais elementar ética jornalista, com comentários combinados, exibição de cachecóis futebolísticos ou oferta de leitões bem temperados, à mistura com a mostra de livros nem sequer folheados, perante o silêncio e a impunidade gerais!". Mas o que interessa é aparecer na televisão, já que, como uma vez disse Emídio Rangel, a mesma tanto pode vender sabonetes como fazer eleger o presidente da república.
Que moderação e equidistância pode oferecer Marcelo aos outros líderes partidários? Passos Coelho já o qualificou como "um catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político". Com Paulo Portas são conhecidos os velhos litígios desde a história da vichyssoise. Agora o PSD e o CDS aparecem a recomendar o voto em Marcelo, mas como justificação apresentam apenas o "equilíbrio político". Importam-se de repetir? Para Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, Marcelo nada representa. Só António Costa parece ter alguma proximidade com Marcelo, o que, deve dizer-se, não o recomenda nada em termos de equilíbrio político. Aliás, com a conhecida habilidade de Marcelo em criar factos políticos, receio que o palácio de Belém se torne o maior foco de instabilidade de que há memória em Portugal.
Apesar disso, eu vou votar em Marcelo Rebelo de Sousa. E a explicação é simples. Reside nos outros candidatos que se apresentaram. Perante um candidato folclórico, sem qualquer currículo político, e que todos os dias nos mimoseia com disparates, uma candidata lançada por uma ala do seu partido, sem mais nada que a recomende, e dois candidatos de partidos da extrema esquerda, que apenas pretendem cumprir os mínimos, é óbvio que eu só poderia votar em Marcelo. Mas não me venham dizer que ele é o melhor candidato. É apenas o candidato menos mau.
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O candidato da direita às presidenciais.
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As presidenciais.
Os dados parecem já estar claramente lançados para as presidenciais. À direita o despique vai ser entre Marcelo Rebelo de Sousa e Rui Rio. Neste jogo Santana Lopes é apenas um entertainer e de Alberto João Jardim nem vale a pena falar. Mas esse despique está adiado para depois da legislativas. Marcelo aposta numa derrota da coligação que o possa fazer surgir como o candidato presidencial destinado a vingar essa derrota. Já Rui Rio espera, pelo contrário, que uma vitória o catapulte para a eleição como o candidato preferido de Passos Coelho. Neste último quadro, é possível que Marcelo nem sequer se apresente, uma vez que sempre pretendeu chegar num andor a Belém, em lugar de concorrer numa eleição disputada. Mas se as sondagens lhe continuarem a ser tão favoráveis, é possível que os seus próximos o convençam a não desperdiçar a oportunidade de uma vida. Não é por isso de excluir a existência de duas candidaturas à direita nas presidenciais.
Na esquerda, as coisas estão muito mais complicadas. Independentemente da vitória ou da derrota do PS, parece evidente que vai haver três candidatos socialistas às presidenciais: Sampaio da Nóvoa, Henrique Neto e Maria de Belém. António Costa parece que vai forçar o apoio do PS a Sampaio da Nóvoa, mas só tem para dizer dele que é um candidato próximo da família socialista, e que lhe merece muita estima, não se revendo na caricatura esquerdista com que tem sido apresentado. O que se passa é que uma caricatura acentua os traços mais visíveis da personagem e os traços de Sampaio de Nóvoa colocam-no muito mais à esquerda do que o discurso tradicional do PS. Apoiá-lo em 2016 é equivalente a se o PS tivesse apoiado Otelo em 1976 ou Pintasilgo em 1986. Espanta por isso esse apoio, perante dois candidatos do PS com muito mais currículo político e maiores hipóteses de vitória. Comparado com eles Sampaio da Nóvoa é apenas um candidato mais à esquerda, mas é sobretudo um zero à esquerda.
O que pode levar então António Costa a querer apoiar esse candidato, por comparação com um senador respeitável e com provas dadas no mundo empresarial, como Henrique Neto, ou com uma antiga ministra e presidente do PS, com largo apoio na sociedade civil, como Maria de Belém? A resposta é simples. Nenhum desses dois candidatos é próximo de António Costa, pelo que não se deixaria manipular por ele em Belém, enquanto que Sampaio de Nóvoa não tem sequer peso político para exercer uma magistratura de influência. Por isso, António Costa prefere arriscar uma derrota nas presidenciais, a ter em Belém alguém do seu partido que lhe pudesse fazer sombra. Por outro lado, tem boas relações com Marcelo e com Rui Rio, pelo que julga preferível relacionar-se com eles em Belém.
O raciocínio de António Costa está a ser semelhante àquele que Sócrates teve com Cavaco, quando preferiu deixar eleger um presidente da área contrária, em lugar de alguém do seu próprio partido, mas que não fosse da sua confiança, como Manuel Alegre. Viu-se o que aconteceu depois.
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Os candidatos.
À Direita já se percebeu que vai haver dois candidatos às presidenciais. Um é Marcelo Rebelo de Sousa, que já disse de si próprio que é como o código postal: "meio caminho andado". Na verdade, fez muito mais de meio caminho, andando há anos a preparar a sua candidatura, através de um processo metódico de reconstrução televisiva da sua persona pública. Hoje já ninguém se lembra do Marcelo mefistofélico e criador constante de factos políticos, mas não se sabe se essa personagem não vai regressar, logo que ele se veja em Belém. É por isso que nem nos seus maiores pesadelos Passos Coelho admite Marcelo Rebelo de Sousa na presidência e tudo fará para que ele não seja eleito. O mesmo dirá Portas, que ainda se lembra de como terminou a segunda AD, que construiu com Marcelo. Este só poderá assim avançar em caso de derrota da coligação.
Em caso de vitória da coligação, já se sabe que o candidato é Rui Rio. E será uma boa escolha. É um candidato que deixou uma imagem de seriedade na gestão da Câmara do Porto e tem condições de imparcialidade para assumir a presidência. Curiosamente não é muito bem visto na entourage de Passos Coelho que, vá lá saber-se porquê, sempre preferiu Luís Filipe Menezes. Talvez por esse motivo, Rui Rio apareceu nos últimos tempos muito próximo de António Costa, o que pode ser uma vantagem para as presidenciais. Já não o será, porém, em caso de derrota da coligação, pois aí naturalmente disputará a liderança do PSD e esta proximidade a António Costa pode lhe ser fatal.
À Esquerda está tudo definido. É Sampaio da Nóvoa o candidato único, já que até Carvalho da Silva desistiu de o defrontar. Não admira. Como se vê nesta entrevista, mais do que o candidato do PS, Nóvoa é o candidato dos sectores à esquerda do PS. O seu baptismo político foi na LUAR e numa entrevista televisiva recusou-se a assumir que votaria PS. Na verdade, o discurso político de Nóvoa faz lembrar o discurso de Lurdes Pintasilgo, parecendo que recuámos trinta anos no tempo. Diz que é independente e até acha que essa independência será apreciada pelos sectores militares, como se os militares tivessem um voto diferente do de qualquer outro cidadão. É contra o "arco da governação" e só a contragosto é que daria posse a um governo do Bloco Central, já que acha que é capaz de forjar outros entendimentos contra a austeridade. Mas em qualquer caso, dará posse a um governo minoritário, sem problemas com a estabilidade, já que estabilidade para ele "não é ficar tudo na mesma". E de tal forma o assume que quer referendos aos Tratados Europeus e defende a renegociação da dívida "até ao limite do possível". Quanto ao fracasso desta política na Grécia, ainda não o consegue ver. Pelo contrário, até acha que "estamos aqui e agora, para poder construir um projecto de mudança em Portugal e darmos um contributo para a mudança na Europa".
Como bem lembrou João Gonçalves, num célebre debate entre Soares e Pintasilgo, aquele respondeu a este tipo de discurso sonhador com a afirmação de que "nem um castiçal cá ficava se a senhora fosse eleita". Mas o Soares de hoje já não é o mesmo desses tempos. O que espanta, no entanto, é que António Costa empurre o PS para um apoio a um candidato com este perfil e que, felizmente para todos nós, não tem a mínima hipótese de ser eleito. A não ser que o objectivo de António Costa seja o de apresentar este candidato para satisfazer a ala esquerda do seu partido, permitindo a eleição de Rui Rio, com quem facilmente pode estabelecer pontes. Neste enquadramento a estratégia faz sentido. Só que, como acima se salientou, para Rui Rio ser candidato é necessário que Costa perca igualmente as eleições legislativas…
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O candidato.
Depois de ter ouvido Passos Coelho dizer que um dos motivos da sua deslocação ao Sri Lanka foi reconhecer o trabalho extraordinário da AMI, tive a certeza que isso significava da sua parte uma manifestação de apoio para Fernando Nobre também se candidatar às presidenciais. Mais uma vez Passos Coelho insiste na estratégia TMMRS (Todos Menos Marcelo Rebelo de Sousa), e não pára de lançar sinais de abertura para todos os candidatos e mais alguns que o possam impedir de ver Marcelo em Belém. Só que escusava de se deslocar ao Sri Lanka para esse efeito, num gasto desnecessário para os contribuintes. Uma simples declaração pública de apoio em qualquer lugar do Portugal profundo, que depois do seu governo está hoje em dia tão necessitado da AMI como o Sri Lanka, chegaria.
Como não poderia deixar de ser, Fernando Nobre respondeu prontamente ao apoio de Passos Coelho. O homem que em tempos tinha dito que se não lhe dessem um tiro na cabeça iria para Belém, acaba de declarar que está vivo, não tem 100 anos, e portanto vai para Belém. Depois de Santana Lopes no sábado, agora com o avanço de Fernando Nobre, já temos assim dois candidatos presidenciais na mesma semana, ambos carinhosamente apoiados por Passos Coelho. Não há dúvida de que estas presidenciais prometem.
Entretanto, para aumentar a confusão, Passos Coelho acaba de declarar que espera que os candidatos se assumam, não exclui que possa surgir mais do que um à direita, e propõe que o PSD fique à espera um ano sem decidir quem apoia. A este ritmo, daqui a um ano já teremos perdido a conta aos inúmeros candidatos presidenciais do PSD. Será que a estratégia TMMRS também passa por deixar António Guterres chegar a presidente?
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O candidato.

Resulta claramente desta entrevista que Santana Lopes não pensa noutra coisa a não ser em candidatar-se a Belém, no que parece ter pelo menos o ámen de Passos Coelho, que continua a apostar teimosamente na estratégia TMMRS (Todos menos Marcelo Rebelo De Sousa). Neste enquadramento, o lugar de Provedor da Santa Casa da Misericórdia, que misericordiosamente foi atribuído a Santana, seria apenas um estágio para que ele pudesse adquirir uma imagem de simpatia social, após o que transitaria para Belém. Claro que Passos Coelho preferiria Durão Barroso, mas não estando este disponível, prefere naturalmente apostar em Santana do que deixar Marcelo avançar.
A questão é que esta estratégia foi claramente posta em causa pelo avanço de António Guterres. Efectivamente António Guterres secou completamente o espaço à esquerda, tanto assim que António Costa, mal soube desse avanço, mergulhou logo nas absurdas primárias do PS em vez de se guardar para Belém. Neste espaço apenas Marinho Pinto pode conservar algum eleitorado, se conseguir manter o seu discurso populista e contra a classe política, que tantos votos lhe trouxe nas europeias. Já os candidatos da esquerda tradicional cederão naturalmente o lugar a António Guterres.
A questão é que António Guterres entra também muito no eleitorado da direita, com o seu catolicismo social e com o facto de ter sempre resistido a entrar nas questões fracturantes, em que o PS se fracturou logo após a sua saída. É por isso que na área da direita só alguém com o perfil de Marcelo Rebelo de Sousa lhe poderia dar alguma luta. Durão Barroso percebeu isso e afastou-se logo da corrida presidencial. Já Santana Lopes, pelo contrário, acha que Guterres "não é imbatível" e que até seria "altamente estimulante" enfrentá-lo.
Santana Lopes tem um problema com as eleições presidenciais, semelhante à percepção que ele tem do seu governo, e que ele próprio quis expor no seu livro de 2004, et pour cause chamado Percepções e Realidade, na altura objecto destes dois fabulosos sketches dos Gato Fedorento. Na sua percepção, o seu governo foi óptimo e foi uma grande injustiça ter sido derrubado por Jorge Sampaio. A realidade é que o seu governo foi o pior da história da democracia portuguesa, e se há alguma coisa a censurar a Sampaio — e a Durão Barroso — foi precisamente o terem permitido que ele tomasse posse. Já em relação às presidenciais, ele tem a percepção de que, passados dez anos do seu governo, e com o seu currículo na Santa Casa, tem condições de bater Guterres nas eleições. A realidade é, no entanto, que nem com mais cem anos na Santa Casa Santana conseguiria ultrapassar Guterres na área social, e que tem tantas hipóteses de ser eleito presidente como a torre Eiffel de dançar o samba. Mas, conhecendo a teimosia de Passos Coelho, é muito provável que venha a ser ele o candidato presidencial do PSD.
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Rumo à Presidência.

Tudo o que tinha escrito aqui sobre a candidatura de Durão Barroso à Presidência da República com o apoio simultâneo do PSD e do PS acaba de ser confirmado por esta curiosa conferência promovida pela Comissão Europeia em Lisboa, intitulada "Portugal: Rumo ao Crescimento e Emprego", mas que melhor se poderia chamar: "Barroso: Rumo à Presidência". Depois da elucidativa entrevista ao Expresso, parece que Durão Barroso já arrumou definitivamente os papéis como Presidente da Comissão Europeia, cargo em que se destacou por uma total ausência de intervenção, e dedica-se agora com afã a promover a sua candidatura presidencial. De facto, é incompreensível que o Presidente da Comissão Europeia tenha feito o ataque que fez ao Vice-Presidente do Banco Central Europeu, sem que o seu Presidente e o próprio Banco tivessem dito a mais leve palavra sobre o assunto. E também é incompreensível que a Comissão Europeia organize uma conferência com claro significado político em Portugal nas vésperas das eleições europeias, com a presença do próprio Presidente da Comissão, que tem um claro dever de neutralidade sobre as questões políticas internas do seu país. Mas a conferência realizou-se e agora é preciso ver o seu significado político.
Este significado é claro. Já se sabia que o PSD de Passos Coelho iria apoiar Durão Barroso nas presidenciais, por muito que Marcelo Rebelo de Sousa proteste na TVI ou leve os militantes às lágrimas nos Congressos. Agora ficou a saber-se que há um claro endorsement de Cavaco Silva a Durão Barroso, que pretende ver como o seu sucessor no cargo. Foram especialmente comoventes estas palavras carinhosas de Cavaco: "Posso testemunhar, como poucos, a atenção que o doutor Durão Barroso sempre prestou aos problemas do país e a valiosa contribuição que deu para encontrar soluções, minorar custos, facilitar apoios e abrir oportunidades de desenvolvimento". Fica-se a saber que Cavaco já escolheu o seu Delfim. Só é pena que os portugueses também possam "testemunhar, como poucos", a forma como Durão Barroso tratou o país, deixando um Governo em colapso com a sua ida para Bruxelas, e ameaçando recentemente que estaria o caldo entornado se não cumprissem as suas determinações. Mas reconheço que Cavaco tem razão quando diz que "Portugal e os portugueses muito lhe devem". Não só devemos como estamos a pagar todos os dias os empréstimos que a troika nos concedeu, mesmo que isso nos deixe só com pele e osso.
Mas o que foi elucidativo na conferência foi a reacção do PS. Ao contrário da restante oposição, que não quis estar presente, "o PS recebeu convite para assistir e deu liberdade a cada deputado para fazer o que entender". Conforme já tinha anunciado, parece claramente estar a desenhar-se a preparação de um governo de Bloco Central, para depois da queda de Passos Coelho, aparecendo, como contrapartida do apoio do PSD ao PS, o apoio deste a uma candidatura de Durão Barroso a Belém. Para isso o PS só tem que tirar António Costa do caminho, mas isso é fácil. Não é por acaso que o PS anda a reclamar nos últimos tempos o direito a nomear o próximo Comissário europeu. O PSD pode perfeitamente oferecer-lhe a nomeação de António Costa, o que permitiria tirar já do terreno alguém que poderia ameaçar simultaneamente a liderança de António José Seguro e a eleição de Durão Barroso. Parece que a estratégia de Cavaco de forçar um acordo entre Passos e Seguro vai agora cumprir-se sob a égide de Durão Barroso. Les beaux esprits se rencontrent.
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O candidato.
Esta entrevista constitui a demonstração acabada para quem tivesse dúvidas de que Durão Barroso não quer outra coisa do que ser candidato a Belém, e que tem o apoio do actual Governo para lá chegar. Há muito que se viam sinais nesse sentido. Primeiro foram as contínuas peregrinações de Passos Coelho a Bruxelas ou às sucessivas homenagens que Barroso ia recebendo pela Europa. Depois foi a sucessiva ascensão de barrosistas no PSD e a sua inclusão no Governo, onde até o antigo chefe de gabinete de Barroso foi feito secretário de Estado e conservado depois do desastre comunicativo desta semana. E finalmente ocorreu a tentativa de rejeitar logo no Congresso a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, que este habilmente desmontou com uma intervenção que pode ter tocado o coração dos militantes mas manifestamente não conseguiu convencer Passos Coelho.
O problema de Durão Barroso é que o seu abandono em 2004 e a sua desastrada actuação na comissão europeia causou tão profunda irritação nos portugueses que ele sabe que não tem a mínima hipótese de ser eleito, mesmo com o apoio do PSD e do CDS. Ensaiou por isso uma estratégia simples. As sondagens demonstram que o PS vai vencer as próximas eleições, mas não terá maioria para governar. Como não é credível que o PS se alie ao PCP ou ao BE e com o CDS não deve ter condições para formar maioria, atento o previsível castigo que os pensionistas, seu eleitorado tradicional, lhe vão aplicar, resta apenas o PSD para formar governo com o PS. Ora, como se sabe que Passos Coelho não sobreviveria a uma derrota eleitoral, o que Durão está a dizer publicamente a António José Seguro é que neste momento, com os seus homens em lugares-chave, já tem o partido na mão e que oferece o apoio do PSD a um governo PS a troco de um apoio do PS nas presidenciais. Assim já conseguiria ser eleito como os exemplos históricos têm demonstrado em relação a um candidato apoiado pelos dois maiores partidos. Eanes teve 61% dos votos em 1976 e Soares 70% dos votos em 1991. Apoiado pelos dois maiores partidos, e até eventualmente pelo CDS, Durão Barroso teria seguramente muito menos votos, mas os suficientes para ser eleito. Aliás, já começou na entrevista a inverter o discurso, proclamando a sua paixão pelo país, a sua simpatia pelas classes sacrificadas e a declarar ter avisado Passos de havia limites para esta política, tudo a contrastar com as suas anteriores declarações de que que estaria o caldo entornado se o país não aplicasse as medidas de austeridade que lhe foram exigidas.
Resta saber apenas duas coisas: o que pensam do negócio que hoje é proposto por Barroso os militantes do PS e do PSD. Palpita-me que a resposta não vai ser do agrado dele.