O cavalo de Tróia do euro.
Há dias escrevi aqui que me parecia que a situação na Grécia tinha atingido uma irracionalidade de tal ordem, que não se sabia o que o governo grego pretendia. O tempo levou a descobrir que, com ou mais ou menos planos rocambolescos, o que ele pretendeu desde o início foi a saída do euro e o regresso ao dracma. Tsipras parece por isso Hamlet, de quem se dizia que estava numa verdadeira loucura, mas havia método nisso ("Though this be madness, yet there is method in't").
Efectivamente, Atenas só não saiu do euro porque não teve apoio externo para o fazer. O problema de um país adoptar uma moeda própria é que ninguém a aceita no estrangeiro. Por isso, em ordem a poder manter o pagamento dos bens importados, esse país tem que antes de tudo ter uma reserva grande de divisas. Ora, a Grécia não tinha quaisquer reservas. Correu por isso literalmente seca e meca para as arranjar. Tsipras pediu auxílio aos EUA, à Rússia, à China e até ao Irão, para obter um financiamento que lhe permitisse sair do euro. De todos estes países ouviu um sonoro e terminante não. Pode haver desavenças com a Europa, mas a nenhum destes Estados interessava contribuir para o colapso da zona euro. Por isso Krugman, um dos maiores apoiantes do Grexit, acabou a chamar incompetente ao governo grego.
Rejeitado por todos, Tsipras voltou, qual filho pródigo, para os braços do Eurogrupo. Mas voltou sem qualquer convicção, referindo que um dia a batalha vai dar frutos. Parece que estamos assim perante a velha estratégia leninista de dar dois passos atrás para dar um passo em frente.
Em qualquer caso, não parece que as feridas tenham ficado minimamente saradas e que Tsipras tenha desistido dos seus intentos. A Grécia é por isso hoje o cavalo de Tróia do euro, de onde os seus soldados estão preparados para sair a qualquer momento, voltando a fazer colapsar a cidadela.
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Saída de sendeiro.
Depois de tantas bravatas, referendos, e discursos demagógicos, Tsipras acabou por se render à dura realidade, aceitando para a Grécia condições muito piores do que aquelas que tinha há seis meses. Graças ao Syriza, a Grécia deixou praticamente de ser um Estado soberano, não passando agora de um protectorado europeu, sendo obrigada a criar um fundo com os bens do seu Estado, que fica afecto como garantia aos credores. E o que choca é que esta alternativa é bem capaz de ser a menos má pois, se este acordo não fosse aceite, a Grécia seria obrigada a abandonar o euro, declarar a bancarrota e afundar-se numa inflação galopante.
Mas esta terrível situação por que os gregos agora passam, devido à irresponsabilidade do governo que elegeram, deveria servir de lição para os partidos de esquerda que em Portugal defendem políticas semelhantes, como desde sempre o Bloco de Esquerda e agora o PS de António Costa. É que quem quer defender o alívio da austeridade tem que estar preparado desde o início para propor aos eleitores a saída do euro, como aliás já o fazem o PCP e o MRPP. Porque dentro do euro não é possível qualquer fuga às suas regras, nem os outros Estados-membros aceitarão que permaneça no clube quem não as quer cumprir. E perante esta evidência não vale a pena contrapor a soberania nacional, e a vontade democrática do povo expressa num referendo convocado à pressão. É que só é soberano quem não precisa do dinheiro dos outros. Quem precisa, mais vale deixar-se de bravatas disparatadas. Porque corre-se o risco de às entradas de leão se seguirem as saídas de sendeiro. Como foi agora o caso do Syriza.
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Apocalypse now na Grécia.
A princípio pensei que os sucessivos disparates que o governo grego ia fazendo resultavam pura e simplesmente de incompetência, que os gregos iriam pagar muito caro. Depois convenci-me que isto afinal era uma estratégia pensada desde o início para atirar a Grécia para fora do euro. Neste momento, a irracionalidade é de tal ordem que já nem sei o que pensar. Isto só me faz lembrar o diálogo entre o Coronel Kurt e o soldado que o persegue, no Apocalypse Now. O primeiro pergunta: "Are my methods unsound?". Ao que o outro responde: "I don´t see any method at all". E de facto não podemos encontrar qualquer método nisto, entendida a palavra no seu sentido epistemológico grego, methodos (μέθοδος), que significa literalmente "seguir um caminho", de metá (μετά), "a seguir", e hodós (οδός), "caminho". Na verdade, não se compreende minimamente qual o fim que visa o governo da Grécia e qual o caminho que se propõe seguir. O que vemos constantemente são passos erráticos que não se percebe aonde visam conduzir o povo grego.
Num dia o governo grego negoceia um acordo no Eurogrupo. No outro dia, logo que recebe uma proposta deste, propõe um referendo sobre a mesma, o qual é votado numa semana, e dá uma esmagadora vitória ao não. Durante a campanha, o Ministro das Finanças Varoufakis, ao mesmo tempo que chama terroristas aos seus parceiros do Eurogrupo, garante que, se o não vencer, consegue um acordo com eles em 24 horas. No dia seguinte à vitória do não, o vencedor Tsipras oferece a cabeça de Varoufakis numa bandeja ao Eurogrupo, substituindo-o pelo mais moderado Tsakalotos, em ordem a conseguir um rápido acordo com os pretensamente derrotados no referendo. 24 horas depois a mensagem é de desespero: a Grécia pede mais 7.000 milhões de euros em 48 horas, sendo pedida uma reunião de emergência do Eurogrupo. Mas o tal Tsakalotos chega a Bruxelas sem uma única proposta concreta, limitando-se a levar umas notas manuscritas em papel de hotel. E para isto obrigou 18 ministros das Finanças europeus a uma reunião urgente em Bruxelas, tendo alguns, como por exemplo o de Portugal e o da Lituânia, tido que se deslocar do outro extremo do continente para nada, e sendo por isso obrigados a marcar outra reunião. A menos que Tsakalotos signifique em grego "saca a tolos", não estou a ver como é que alguém pode esperar que lhe entreguem 7.000 milhões de euros desta maneira.
Há dias a saída da Grécia do euro era uma hipótese quase inverosímil. Hoje tornou-se uma probabilidade cada vez mais forte. Tsipras pode ter saído reforçado do referendo mas, como o Coronel Kurt do Apocalypse Now, pode passar a governar um país em cinzas. Porque se a Grécia sair do euro, numa bancarrota descontrolada, é esse o estado em que vai ficar.
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A semana do desespero.
Um leitor deste blogue chamou-me a atenção para estas imagens publicadas pelo Observador, demonstrando as filas dos reformados gregos, tentando receber as suas pensões de bancos que têm que estar fechados pois de outra maneira não resistiriam perante os contínuos levantamentos por parte dos depositantes. Os reformados gregos são as vítimas inocentes desta estratégia do Syriza, que de um momento para o outro pode deixá-los sem nada.
Isto porque provavelmente estes levantamentos serão os últimos que terão em euros e o novo dracma só pode significar a miséria na Grécia. Diz-se que a saída do euro implicaria em Portugal uma desvalorização de 50% enquanto que na Grécia chegará aos 80%. Ou seja, Portugal entrou no euro com este a valer 200,482 escudos e agora sairia com o novo escudo a valer 1/300 avos de um euro. Já quando a Grécia entrou no euro o dracma foi convertido a €0.0029 e agora seria convertido a €0,00058. Ou seja o novo dracma será equivalente a 1/1724 avos de um euro. Podem naturalmente dar outros valores às novas moedas criadas mas a realidade económica subjacente é esta.
O problema é que isto não vai ficar por aqui, pois como se viu depois do confisco de Collor no Brasil em 1990 ou do corralito argentino de 2001, o resultado destas brincadeiras é sempre uma hiperinflação, com uma alta do custo de vida que destruirá completamente o valor das pensões. Estes reformados já viveram muito e sabem bem o que os espera. O sarilho em que o governo do Syriza fez cair a Grécia vai-lhes custar muito caro.
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A estratégia para o Grexit.
Ao contrário de alguns colegas deste blogue, não penso que haja errância ou incompetência neste jogo que o governo grego tem vindo a jogar. Como aqui escrevi, acho que há uma estratégia pensada desde o início para transformar a Grécia numa nova Cuba. Nessa estratégia inclui-se naturalmente o repúdio da dívida, imitando o que Rafael Correa fez no Equador em 2007, e uma aproximação à Rússia, que Tsipras tem vindo a demonstrar todos os dias. Da mesma forma que Otelo em 1975, Tsipras aspira a ser o Fidel Castro da Europa. Para esse efeito Varoufakis fez o papel de entertainer, fazendo propostas absurdas ou discursos inflamados no Eurogrupo, o que impediu qualquer negociação séria. Mas, na altura em que se perspectivava um acordo, é anunciado o referendo onde será fácil apelar ao não, invocando as constantes humilhações a que os gregos, um povo orgulhoso, têm vindo a ser sujeitos. O referendo foi visto como um balde de água fria para os credores, mas é evidente que era o passo necessário para a saída do euro. Em que outra coisa a coligação Syriza-Anel, a extrema-esquerda com a extrema-direita, poderiam estar de acordo? A saída do euro foi seguramente desde o início o traço de união desta coligação, não admirando por isso que ambos estejam a apelar ao não no referendo, como também o faz o Aurora Dourada.
É por isso que a frase de Cavaco Silva, de que se a Grécia sair ficam 18 no euro, é a antologia do disparate político. Apesar das suas evidentes fragilidades, o euro neste momento é o principal obstáculo à ascensão dos extremismos em toda a Europa, pelo que é naturalmente objecto de ataque feroz por parte dos mesmos. Marine Le Pen já se intitula Madame Frexit, e muitos outros extremistas se seguirão, a dar a machadada final nesta moeda, para o que diga-se de passagem a estupidez dos líderes europeus muito tem contribuído. Tivessem Papandreou e Simitis sido tratados de outra forma e hoje não estaria a Grécia nas mãos de Tsipras e Varoufakis.
Estou, no entanto, convencido de que a estratégia do Syriza vai falhar, pois o sim vai ganhar no domingo. Ao contrário do que o Syriza esperava, os gregos puderam ver nestes dias o que seria ter a Grécia como a Cuba da Europa: Bancos sem dinheiro, controlo dos levantamentos, corrida aos supermercados, e filas de pensionistas para receber as suas pensões. Não me parece que a retórica inflamada e a ameaça de demissão do governo do Syriza os faça querer prorrogar mais um único dia esta realidade.
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Crisis? What crisis?
Cavaco: "Se a Grécia sair ficam 18".
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Da dignidade do Estado.
Há uma coisa que há muito se perdeu em Portugal que é o sentido da dignidade do Estado. Mesmo antes do memorando, quando Sócrates foi chamado a despacho a Berlim por Angela Merkel devido à subida dos juros da dívida portuguesa, fui de opinião que um primeiro-ministro de Portugal não se deveria sujeitar a esse tipo de tratamento. E muito menos me pareceu aceitável que quando Sócrates foi derrubado — a meu ver já tarde porque Passos Coelho insistia obstinadamente em mantê-lo no cargo — a chanceler alemã tivesse o descaramento de ir criticar a decisão do parlamento português no parlamento alemão. Estou por isso muito à vontade para achar inaceitável que, entre duas reuniões do Eurogrupo, a Ministra das Finanças vá prestar vassalagem a Berlim, aceitando que o país seja exibido carinhosamente por Schäuble como exemplo a seguir. O governo pode naturalmente tomar as decisões que entender nas reuniões do Eurogrupo, contra ou a favor da Grécia. Mas já não me parece que o Ministro das Finanças de um Estado soberano deva contribuir para uma clara operação de spin do Ministro das Finanças alemão, na altura em que ele é contestado no seu próprio governo, precisamente pela sua instransigência em relação à Grécia.
Portugal segue com absoluto fanatismo uma estratégia que está completamente errada e que só pode trazer o desastre. O Syriza é um partido radical de esquerda, que em caso algum deveria estar à frente de um governo europeu. Se o está, é precisamente devido às constantes humilhações a que foram sujeitos os gregos pela troika, humilhações igualmente praticadas em Portugal, como agora Juncker veio reconhecer, para desgosto dos fanáticos que acham que ainda nos submetemos o suficiente. E nesse aspecto, se esta deriva não for invertida, a situação só pode ficar muito pior. As pessoas que hoje festejam a "hollandização" de Tsipras, devem pensar que a seguir a Hollande virá inevitavelmente Marine Le Pen, assim como um falhanço do Syriza na Grécia atirará o país para as mãos do Aurora Dourada. Numa altura em que a Rússia adopta uma nova atitude expansionista, que ameaça redesenhar o mapa da Europa, continuo a achar que os dirigentes europeus estão a brincar com o fogo.
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No deal.
As relações entre Estados não se baseiam em juízos de culpa, moralismos ou piedade. Baseiam-se em encontrar hipóteses de acordo que permitam chegar a um ponto de equilíbrio. E quanto aos tratados, eles não são imutáveis, podendo e devendo ser rapidamente modificados se as circunstâncias se alteram. Hoje já ninguém se lembra de quando a Senhora Thatcher descobriu que o Reino Unido estava a ser o maior contribuinte líquido para a então CEE. Chegou ao Conselho Europeu e disse apenas as seguintes palavras: "I want my money back". Os restantes membros do Conselho deram-lhe razão e o Reino Unido passou a receber anualmente uma devolução das suas contribuições, o famoso cheque britânico. Na altura ninguém falou em tratados e compromissos e se tivesse falado, já se sabe a resposta que teria da Dama de Ferro.
Hoje a situação é similar: a Alemanha é o único país que está a ganhar com o euro, estando todos os outros a perder. Tem por isso toda a lógica que a Alemanha pague em contrapartida dos benefícios que está a ter. Caso contrário os outros países terão que sair do euro, tornando a moeda insustentável. Hoje é a Grécia, amanhã será Chipre, e depois virão os outros. Pode levar décadas, mas depois de um sair, o dominó será implacável.
É por isso que não vale a pena esperar por um acordo em relação à Grécia. Tsipras e Varoufakis preferem sair do euro, a continuar com estes resgates disparatados, como bem aqui se salienta. E Schäuble não prescinde da sua irredutibilidade, preferindo acusar os eleitores gregos de irresponsabilidade. Por aqui se vê como a União Europeia não passa afinal de um gigante com pés de barro.
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Razão e emoção.
Como bem se demonstra neste artigo a única decisão racional possível implicaria o Eurogrupo chegar a acordo com a Grécia, atribuindo-lhe condições mais favoráveis de pagamento da dívida para poder permanecer na zona euro. Essa situação evitaria que a Grécia se aproximasse da esfera de influência russa, o que é essencial numa altura em que estamos a um passo da guerra total na Ucrânia.
Não me parece, porém, que tal vá acontecer, especialmente porque as decisões políticas nem sempre são racionais, podendo ser ditadas por uma forte carga emocional. Foi assim, por exemplo, que os Estados Unidos encararam a revolução cubana, onde um grupo de guerrilheiros derrubou o regime pró-americano de Fulgêncio Baptista, visto internamente como um simples capataz dos EUA. Desde o início, os EUA adoptaram uma política de total intransigência em relação a Fidel Castro, o que teve como único resultado que Cuba se atirou para a esfera de influência soviética, passando os EUA a ter um regime pró-soviético a 120 km das suas costas. Cuba quase atirou os EUA para uma guerra nuclear e só agora, passados mais de 60 anos, os dois países voltaram a ter uma aproximação.
Mas a revolução cubana teve também um efeito altamente pernicioso no ocidente, devido à grande influência que teve na sua juventude. Che Guevara e Fidel Castro transformaram-se em ícones mundiais da juventude, levando a uma contestação sem precedentes nas democracias ocidentais. Nos EUA assistiu-se às gigantescas manifestações contra a guerra no Vietname e na Europa culminou com o Maio de 68, que até provocou a renúncia de De Gaulle no ano seguinte. Curiosamente, enquanto toda a juventude europeia olhava fascinada para Cuba, a URSS esmagava tranquilamente a primavera de Praga. Na altura dizia-se que o ocidente atravessava uma época de depressão nervosa, da qual só sairia com o governo de Thatcher no Reino Unido e com a presidência de Reagan nos EUA, essenciais para a vitória na guerra fria.
A Europa atravessa um período semelhante de emoções à flor da pele. Há muito tempo que costumo ver em viagens à Alemanha cartazes a dizer: "os gregos que paguem sozinhos as suas dívidas" ou "os resgates do euro põem em causa as nossas pensões", num país que deveria estar a cantar loas aos ganhos líquidos que está a ter com o euro. Em Portugal Passos Coelho também se pôs a criticar as propostas gregas, porque sabe que, se forem satisfeitas, ele será posto em causa por não ter feito exigências semelhantes. E agora até Cavaco Silva saiu da sua torre de marfim para falar dos muitos milhões que Portugal emprestou à Grécia, numa atitude totalmente imprópria de um Chefe de Estado.
Curiosamente, não me parece que o governo grego esteja minimamente preocupado com esta falta de acordo. Dá-me aliás a ideia que as constantes viagens de Tsipras e Varoufakis não se destinam minimamente a influenciar os seus inimigos europeus, perdão, os seus parceiros europeus para que cheguem a acordo com a Grécia. A ideia parece-me ser antes a de influenciar a opinião pública europeia, que se tem multiplicado em manifestações de apoio aos gregos. As declarações públicas de Schäuble e agora de Cavaco Silva parecem-me assim uma tentativa frustrada para combater a simpatia com que a iniciativa grega está a ser vista pelas populações europeias. Neste enquadramento, a estratégia de Tsipras parece clara: o homem que chamou Ernesto ao seu filho, em homenagem a Che Guevara, quer realizar o velho sonho de Otelo e ser o Fidel Castro da Europa. Já esteve mais longe de o conseguir.
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Portugal não é a Grécia.
Desta vez não tenho quaisquer dúvidas sobre o rigor absoluto desta frase. Enquanto Portugal se assumiu sempre como um protectorado, a Grécia afirma preto no branco que não é um protectorado e que têm de saber com quem se estão a meter.