A Catalunha paga.
Sempre que vejo esta qualificação de Espanha como um país rico, penso sempre que são os catalães, a quem recusam a independência, a pagar a conta.
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A reacção contra o independentismo em Portugal e Espanha.
Para mostrar bem a diferença entre Portugal e Espanha, cabe comparar o tratamento dado pelo Estado espanhol aos independentistas catalães com o que o Estado português deu aos independentistas açorianos. Em 1991 José de Almeida, o líder da FLA foi julgado no Tribunal da Boa Hora pelo crime de tentar obter a independência dos Açores. Acabou absolvido, considerando o Tribunal que num Estado democrático ninguém pode impedir um cidadão de defender livremente as suas convicções. Os juízes espanhóis bem que podiam olhar para o exemplo de Portugal.
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De mal a pior.
A comunicação de Rajoy foi o lançar de mais pólvora na fogueira. Em primeiro lugar, parece-me muito duvidoso que a constituição espanhola permita as medidas que foram tomadas contra a Catalunha. A maior parte dos defensores do centralismo espanhol — e curiosamente são tantos em Portugal — apenas conhece o art. 155 da constituição, mas a verdade é que em lugar algum o mesmo permite ao presidente do governo central demitir o governo de uma comunidade autónoma, dissolver o seu parlamento e marcar eleições. É que três artigos atrás, o art. 152, nº1, diz expressamente que "a organización institucional autonómica se basará en una Asamblea Legislativa, elegida por sufragio universal, con arreglo a un sistema de representación proporcional que asegure, además, la representación de las diversas zonas del territorio; un Consejo de Gobierno con funciones ejecutivas y administrativas y un Presidente, elegido por la Asamblea, de entre sus miembros, y nombrado por el Rey, al que corresponde la dirección del Consejo de Gobierno, la suprema representación de la respectiva Comunidad y la ordinaria del Estado en aquélla. El Presidente y los miembros del Consejo de Gobierno serán políticamente responsables ante la Asamblea". Hão-de-me dizer se, perante este artigo, e sendo o art. 155 omisso a este respeito, pode uma Comunidade Autónoma de Espanha deixar de ter parlamento e governo e passar a ser governada pela vice-presidente do governo central de Espanha, a D. Soraya de Santamaria, que ninguém elegeu na Catalunha, sendo certo que o Partido Popular só tem dez deputados na Catalunha. É por isso curioso que tanta gente que fala da constituição espanhola para criticar a Catalunha, mas fiquem em silêncio perante uma manifesta violação da mesma.
Tudo isto vai servir para criar verdadeiras ficções jurídicas. Os membros do governo eleito da Catalunha vão ser acusados de usurpação de funções, por terem usurpado as funções da D. Soraya, convenientemente nomeada President da Generalitat (!) e sujeitos a pesadas penas de prisão. Mas Puigdemont já garantiu que se vai manter em funções, apesar da iniciativa de Rajoy, pelo que a situação só pode piorar nos próximos dias. Sempre achei que o diálogo e o bom senso permitiriam a Rajoy conservar a Catalunha na Espanha. Neste momento já acho que a situação se tornou irreversível. Será que alguém acha que com uma crise de legitimidade entre dois governos da mesma região se conseguem organizar pacificamente eleições? E como é que os líderes independentistas poderão fazer campanha eleitoral se os puserem na prisão? Tudo isto me parece o teatro do absurdo supremo. A questão é que isto é a sério.
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Que será, será.
A estupidez do governo de Madrid deu o resultado que se esperava. Hoje a Catalunha foi declarada uma república independente pelo parlamento catalão. Os deputados defensores da manutenção da ligação a Espanha nem sequer foram capazes de defender a sua posição no parlamento, indo-se embora e deixando umas bandeiras espanholas nas cadeiras, talvez a julgar que as bandeiras se defendem sozinhas. Mas a independência foi proclamada e grande parte dos municípios da Catalunha já arriaram as bandeiras de Espanha, como este de Sabadell. Os opositores à independência continuam a defender que a maioria dos catalães quer permanecer ligada a Espanha, mas proíbem a simples realização de um referendo para o demonstrar, ao contrário do que o governo de Londres inteligentemente fez com a Escócia, que em consequência pelo menos nas próximas décadas continuará a ser parte do Reino Unido.
O povo catalão festeja por isso hoje em euforia nas ruas a independênciai recém-proclamada. Claro que Madrid vai reagir à força, invocando um vago art. 155 da Constituição Espanhola para destituir o governo, limitar os poderes do parlamento eleito, controlar a comunicação social, e efectuar uma série de prisões. Para isto tem o apoio da União Europeia, tão lesta a condenar as derivas autoritárias nos países do leste europeu, mas que pelos vistos não se importa nada com a repressão de um povo no oeste da Europa. Até pode ser que essa repressão tenha sucesso, mas isso não demoveu os representantes catalães de hoje proclamar a sua independência. Não são a a fuga de empresas, a repressão ou as prisões que impedem um povo de lutar pela sua liberdade e essa liberdada não se pára com ameaças. Aquando da rebelião húngara de 1956, houve claros avisos de que as consequências seriam as de uma invasão soviética, como se veio a verifocar. Mas os manifestantes respondiam com a canção de Doris Day, Que será, será, aceitando as consequências da sua decisão, e décadas depois são homenageados e reconhecidos como heróis. Se a Catalunha consegue conservar a independência hoje proclamada ou se Madrid vence com o seu art. 155 é uma questão para depois. Hoje é motivo de festejo para os catalães. Amanhã, o que será, será.
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Catalunha: a insuficiência do Direito para resolver questões políticas.
Paulo Rangel, Catalunha: Nem só de pão legal e de razão formal vive o homem: "Na verdade, nem todos se apercebem de que a revolução ou a declaração de independência raras vezes é “legal” ou “constitucional” à luz do quadro jurídico que precisamente visa quebrar. Elas, no seu ideário, representam ou transportam consigo uma nova “ideia de direito” ou uma “pretensão de legitimidade” inaugural, que justamente as torna e as apresenta como “legítimas”, mesmo que não “legais”".
António Cluny, Os limites do poder judicial em situação de crise: "Na retaguarda, ou o poder político aproveita essa oportunidade para procurar resolver a crise pelos seus meios - mudando, inclusive, se necessário, o ordenamento jurídico-constitucional - ou a degradação da força da lei continuará e, com ela, a do próprio reconhecimento social do poder judicial que a deve fazer aplicar".
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Um discurso apaziguador.
É espantoso assistir ao radicalismo verbal e à falta de senso que assolou a Espanha, em reacção às pretensões independentistas do governo catalão. Neste discurso, o Vice-Secretário da Comunicação do PP, Pablo Casado, promete que Puigdemont terá o mesmo destino de Lluís Companys, o político catalão que declarou o Estado da Catalunha em 1934. Para quem não saiba, Lluís Companys exilou-se em França após a guerra civil, mas foi capturado em 1940 pela Gestapo, extraditado para Espanha, torturado e fuzilado após uma farsa de julgamento. Fazer uma ameaça destas ao Presidente da Generalitat catalã, nas vésperas da anunciada declaração de independência da Catalunha é, de facto, querer regar o fogo com gasolina. Isto não vai acabar bem.
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A independência da Catalunha.
Costuma dizer-se que os homens se dividem entre os que perguntam porquê e os que perguntam porque não. As aspirações à independência de um povo raramente se situam no plano meramente factual, entrando frequentemente na esfera do mito. Em termos de mito, a Sérvia considera que a fundação do seu país ocorreu na batalha do Kosovo de 1389, em que o Príncipe Lázaro defontou as tropas do Império Otomano. Em termos de factos, o resultado da batalha foi uma vitória esmagadora do Império Otomano, que passaria a dominar a Sérvia durante mais de cinco séculos. Mas a ideia da independência sérvia ficou, o que levou à sua proclamação em 1804. Quanto ao Kosovo, que passou a ser considerado pelo mito o berço da nação sérvia, só seria efectivamente conquistado pelos sérvios em 1912. Mas apesar disso, o mito justificou que os sérvios se opusessem ferozmente à independência do Kosovo, apesar de mais de 90% da sua população ser albanesa. Mas o Kosovo declarou unilateralmente a sua independência em 2008, rapidamente reconhecida por inúmeros países, e declarada legal pelo Tribunal Internacional de Justiça de Haia, apesar de não ter havido qualquer acordo com a Sérvia.
No caso da Catalunha, em virtude da obstinação do Estado espanhol, com uma actuação irresponsável do governo, e um discurso disparatado do Rei, caminhamos para um resultado semelhante. Quando até o líder catalão pede mediação, mesmo depois da estrondosa vitória política que obteve, e a mesma é recusada por Espanha por ilegalidade, só pode acontecer uma declaração unilateral de independência da Catalunha. E aí uma de duas. Ou a Espanha reage mais uma vez à bruta, invoca o art. 155 da Constituição, manda avançar o exército e prende os independentistas catalães, ou se limita a ignorar a declaração. No primeiro caso, usará uma bomba atómica que também lhe pode explodir nas mãos, pois pode não conseguir vergar a determinação catalã, criando imagens que internacionalmente farão imenso sucesso, com novos Jan Palach catalães à frente dos tanques espanhóis. Mesmo que consiga estancar a revolta numa primeira fase, arrisca-se a fazer a figura dos ingleses na Índia ou do regime do apartheid na África do Sul, criando uma série de mártires na prisão que, cedo ou tarde, imporão a sua lei. No segundo caso, o resultado será que a Catalunha cortará as relações com Espanha, estabelecerá as suas fronteiras, e paulatinamente haverá Estados que irão reconhecendo a independência da Catalunha, até serem a maioria e a Catalunha ser admitida na ONU, com ou sem o acordo de Espanha.
Tudo isto poderia ser evitado com o diálogo entre as partes, que várias instituições se disponibilizaram para mediar, o que poderia salvar a unidade de Espanha, com uma maior autonomia para a Catalunha que, no fundo foi o que resultou do Estatuto de 2006, irresponsavelmente declarado inconstitucional em 2010. Mas a Espanha parece paralisada, sendo incapaz de encontrar uma solução pragmática, que só a mediação pode fornecer. Pelo contrário, assistimos a contínuas provocações dos espanhóis aos catalães, como os cânticos da Guardia Civil em Barcelona, como se fossem uma força da ocupação, ou os insultos que Gerard Piquè tem recebido na selecção espanhola, onde joga desde os 16 anos. E assim as coisas só podem acabar mal.
Há muita gente que dirá, e com razão, que a independência da Catalunha é uma loucura, implicando a saída da União Europeia, do euro, e a perda de acesso ao mercado único. Têm razão, mas como dizia o nosso poeta: "Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?". À força das ideias não se responde com o imobilismo dos factos. Porque o grande poder de uma ideia é precisamente o de conseguir mudar o mundo.
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A independência da Catalunha (2).
Acho estranhíssimo que em Portugal não se apoie a independência da Catalunha, e se procure apostar no imobilismo, como se as fronteiras fossem imutáveis e os catalães tivessem necessariamente que ser espanhóis… à força.
Neste âmbito, não vale a pena agitar o fantasma da guerra civil de Espanha. Esta demonstrou precisamente a falta de unidade dos espanhóis, que Franco só conseguiu assegurar com mão de ferro. É isso que pretendemos para os povos da península nos dias de hoje? Esmagar as justas aspirações dos diversos povos que compõem a península, obrigando-os a uma vassalagem a uma monarquia ultrapassada, em que hoje cada vez menos se revêem?
Invoca-se para impedir a secessão da Catalunha a constituição espanhola. Se o argumento da constituição valesse alguma coisa, nunca teria havido descolonização em Portugal. Todas as colónias faziam parte do Estado Português, segundo a constituição de 1933, e não foi isso que impediu a independência dos países africanos. Uma constituição, para ser democrática, não pode assentar num paradigma imperial, que é a sujeição de um povo a outro, por muito maioritário que este seja. E não se venha falar que um referendo à constituição espanhola em 1978 proíbe que um país se declare independente 40 anos depois. A Ucrânia votou em referendo sucessivamente pela pertença à União Soviética e pouco tempo depois pela sua independência desta.
Falar da conferência da Ialta também não faz qualquer sentido. Ela foi em 1945 e estabeleceu fronteiras na Europa que hoje já não existem, passadas sete décadas. Depois de Ialta houve a reunificação da Alemanha, a dissolução da Jugoslávia, a dissolução da URSS, a dissolução da Checoslováquia e a dissolução da Sérvia. O que é que impede, por isso, que algo de semelhante se passe em Espanha?
Ao contrário do que se refere, é do interesse de Portugal a independência das comunidades espanholas. O país teria muito mais influência numa península atomizada do que numa península em que só tem como vizinho um Estado muito maior, que funciona como um dos grandes da Europa, relegando Portugal para a divisão dos pequenos países.
As aspirações dos povos à independência são um assunto sério, não são uma brincadeira. Se houve uma vaga de independências africanas no séc. XX, pode perfeitamente ocorrer uma vaga de independências europeias no séc. XXI. Quando os ventos da História sopram, nada os pode parar. E muito menos o futebol.
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A independência da Catalunha.
Portugal tem uma dívida histórica para com a Catalunha. Se não tivesse sido a sua revolta contra Filipe IV na Guerra dos Segadores, entre 1640 e 1652, provavelmente este não teria tido qualquer dificuldade em esmagar a revolta portuguesa de 1640, que comemorávamos no feriado do 1º de Dezembro, que este governo vergonhosamente aboliu. Desde 11 de Setembro de 1714 que a Catalunha está totalmente incorporada no Estado espanhol, apesar de constituir claramente uma nação própria, com um povo e uma língua diferente. Não há por isso motivo nenhum para que não aspire a ser um Estado e, se as eleições do próximo domingo derem maioria aos independentistas, nada haverá que o possa impedir.
Já se sabe, no entanto, que nestas alturas surgem sempre os do costume, a invocar o discurso do medo e do terror, ameaçando com a expulsão da Catalunha de todos os organismos internacionais, como se um país que se tornasse independente se tornasse por causa disso um Estado pária. Afinal de contas se a Estónia, a Eslováquia e a Croácia se tornaram independentes, o que é que impede que a Catalunha o venha a ser? Ou a independência dos países está reservada aos que se situavam no antigo bloco de Leste, passando a ser anátema se ocorrer deste lado da antiga cortina de ferro?
Mas o argumento mais ridículo que até agora vi usar é a ameaça de expulsão do Barcelona da Liga Espanhola, caso a Catalunha ganhe a independência. Se julgam que este tipo de argumentos tem alguma influência nos eleitores catalães, estão muito enganados. Fartos de ligas espanholas andam eles.
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A independência da Catalunha.
Os argumentos expostos em sentido contrário fazem-me revisitar a questão da independência da Catalunha. A meu ver é manifesto que a tentativa de manter a unidade de Espanha artificialmente faz tão pouco sentido como a imagem deste cartoon. É evidente que a Espanha é um estado com várias nações, pelo que só faz sentido a sua união enquanto as diversas nações que o compõem o desejarem. Se alguma quiser sair, não há outra alternativa que não a de respeitar a vontade do seu povo.
A verdade é que a Catalunha organizou uma consulta com grande participação em que a esmagadora maioria dos votantes se pronunciou a favor da independência. Querer alterar este resultado contando as abstenções como votos contra é profundamente antidemocrático. Em todas as eleições quem decide é quem vai votar.
A independência da Catalunha contraria a constituição espanhola? Claro que sim. Assim como a independência do Brasil contrariava a constituição portuguesa de 1822 e a dos PALOP a constituição portuguesa de 1933 que declaravam esses países como território português. A Constituição espanhola declara a indissolúvel unidade da Nação espanhola (art. 2º) e até obriga todos os espanhóis a saber castelhano (art. 3º). Podem é os catalães querer deixar de ser espanhóis e tratar o castelhano como a língua estrangeira que para eles é.
A Catalunha nunca foi independente? Pois não, mas também não o foram a Eslovénia, a Eslováquia e a República Checa. A Croácia não é independente desde o séc. XI e hoje todos estes Estados são independentes no quadro da União Europeia. Que motivos há para negar esse direito à Catalunha?
Quanto a Portugal será com certeza muito mais influente numa península com várias nações do que com uma Espanha artificialmente unida. Os riscos da independência da Catalunha não devem assustar ninguém. Por esse critério tínhamos estado contra a queda do muro de Berlim. Manter o status quo a todo o custo é um objectivo inútil. Como disse Helmut Kohl, quem chegar atrasado será vencido pela história.