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Um Governo sem credibilidade.

Segunda-feira, 29.11.10

Já aqui tinha escrito que o Orçamento para 2011 não tem a mínima credibilidade e que a única coisa que pode conseguir é obter o prémio para a melhor obra de ficção escrita em 2010. Infelizmente, apenas poucos dias após a sua aprovação, já é a própria Comissão Europeia que o vem reconhecer. Ora, se a Comissão Europeia diz isto do nosso Orçamento, há que perguntar por que razão foi o mesmo aprovado e se sujeitam os cidadãos a violentíssimos sacrifícios que para nada vão servir.

 

Toda a gente já percebeu que o País tem um sério problema de credibilidade nas suas contas públicas e ninguém acredita que este Governo seja capaz de efectuar as reduções do défice a que se comprometeu. A única excepção parece ser o próprio PSD que, depois de alguma hesitação, lá deu pela enésima vez, através da abstenção, o voto de confiança que este Governo necessitava para continuar na senda do desastre, tendo até aceite consagrar no Orçamento a escandalosa "adaptação" de sacrifícios nalgumas empresas.

 

A estratégia do PSD neste momento é deixar que o PS se afunde, levando o país ao desastre, para depois chegar ao Governo em melhores condições. Essa estratégia serve também os interesses de Cavaco Silva, na medida em que não perturba o seu passeio nas presidenciais. É uma estratégia que está a dar bons resultados, como se pode ver pelas sondagens. Mas também é uma estratégia que tem elevadíssimos custos para o País, que vai ser completamente arrasado com a continuação em funções de um Governo sem qualquer credibilidade. A Assembleia da República, face a estas declarações da Comissão Europeia, deveria assumir de imediato as suas responsabilidades. Porque os nossos credores não deixarão de fazer o que deles se espera.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 13:17

As declarações de voto sobre o Orçamento de 2011.

Quarta-feira, 24.11.10

Confesso que fico absolutamente perplexo com a prática parlamentar que se instituiu de os deputados, quando estão contra uma orientação de voto do seu partido, decidirem afinal acatar essa orientação, mas exprimirem publicamente através de uma declaração de voto a sua discordância com a posição que afinal subscrevem através do seu voto. Trata-se de uma posição totalmente contraditória e incoerente e que só contribui para descredibilizar ainda mais o Parlamento perante a opinião pública.

 

No caso da votação do Orçamento para 2011, parece que há deputados tanto do PSD comodo PS que vão apresentar declarações de voto respectivamente a favor da imediata suspensão das grandes obras públicas e contra a criação de excepções às reduções salariais nas empresas públicas, mas ao mesmo tempo votam de acordo com a orientação que têm do seu partido, ou seja em sentido contrário às suas próprias declarações de voto. Ora, a declaração de voto, nos termos do art. 87º, nº1, do Regimento da Assembleia da República, destina-se a esclarecer o sentido da votação, não parecendo que seja correcto o seu uso para dizer que a própria posição do deputado é em sentido contrário ao que votou, uma vez que, a ser assim, ele deveria ter votado antes nesse sentido.

 

Ora, o que diz o art. 12º, nº1, do Estatuto dos Deputados é que estes "exercem livremente o seu mandato", impondo até o art. 10º do mesmo Estatuto a sua irresponsabilidade pelos votos que emitem no Parlamento. Se há uma divergência tão grande com uma orientação partidária, que leva deputados à apresentação de declarações de voto divergentes, então essa divergência deve ser assumida através de um voto em sentido contrário. Era isso o que acontecia nos primeiros tempos do nosso regime democrático, onde se assistia frequentemente a votos contrários dos deputados em relação ao seu próprio partido. Isso conduziu a cisões partidárias, expulsões dos partidos, abandonos voluntários do partido, nalguns casos, com regressos posteriores. Mas os debates parlamentares eram mais autênticos e assumiam-se posições claras, independentemente das consequências.

 

Devo dizer que neste caso acho que os deputados divergentes estão cheios de razão. No caso do PSD, não se compreende como é que um partido que fez ponto de honra em negociar o orçamento com o PS, pode agora inviabilizar a proposta de suspensão imediata das grandes obras públicas, proposta essa em que ele sempre insistiu, com o espantoso argumento de que o orçamento não é seu. Que se saiba, a aprovação do orçamento é da competência dos deputados, pelo que eles assumem a responsabilidade do que aprovam, não se compreendendo que não se tome imediatamente uma medida imprescindível como essa. No  caso do PS, só por absurdo é que um partido que pretende exigir sacrifícios aos portugueses afinal cria no Orçamento excepções apenas para alguns, em resultado de pressões a que não consegue resistir. Pela amostra, é de esperar que essa excepção seja a primeira de muitas e que o descalabro das contas públicas em 2011 ainda acabe por ser superior a 2010, com os mercados a assistir e naturalmente a reagir.

 

Os deputados divergentes deveriam por isso assumir claramente, através do seu voto, as posições que realmente defendem, as quais são neste caso justas e correspondem ao interesse nacional. Apresentar declarações de voto em sentido contrário ao que efectivamente votam é que não me parece fazer sentido absolutamente nenhum.

 

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publicado por Luís Menezes Leitão às 17:12

O descrédito do Orçamento para 2011.

Quinta-feira, 04.11.10

Como manifestamente seria de esperar, os juros da dívida soberana portuguesa atingiram um máximo histórico no dia seguinte ao da aprovação do Orçamento. Se alguém julgava que os mercados iriam acalmar, pode desde já perder as ilusões. Na verdade, o Orçamento do Estado nada mais é que uma previsão de receitas e despesas, pelo que é absolutamente irrelevante a sua aprovação, se não houver garantias de credibilidade na sua execução. O Orçamento pode decretar os cortes na despesa e fazer as previsões na receita que quiser, mas se ninguém acreditar sequer na probabilidade de o mesmo ser integralmente executado, ele será sempre considerado pelos mercados como música celestial.

 

Mas ao contrário do que vários actores políticos têm insinuado, a descredibilização do Orçamento não resulta da troca de galhardetes entre o PS e o PSD, nem os mercados acalmariam se eles agora se fingissem amigos. A descredibilização do Orçamento é uma consequência da descredibilização do próprio Governo, e das extraordinários reviravoltas que todos os dias anuncia. Num dia estão suspensas as grandes obras públicas, mas no outro dia já se podem reiniciar. Num dia é decretada a suspensão de todos os concursos na função pública, mas no outro dia já surgem excepções. Num dia, é proibida é acumulação de pensões com salários, mas no outro dia passa a só ser aplicada para o futuro, para num terceiro dia voltar à versão inicial. Se tudo isto ocorre sem o Orçamento sequer ter entrado em vigor, imaginem como vai ser a sua futura execução. E os mercados já perceberam, pois não andam distraídos.

 

A redução dos juros da dívida pública só pode ser conseguida no dia em que for constituído um Governo com uma equipa credível, que dê confiança aos mercados. Continuarmos com este Governo e a sua política errática só pode ter uma consequência: acabarmos a cair da frigideira para o fogo.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 12:40

Visto da Alemanha.

Segunda-feira, 01.11.10

No Frankfurter Allgemeine escreve-se sobre Portugal isto: "Não é o Primeiro-Ministro José Sócrates, mas antes o líder da oposição Pedro Passos Coelho, que tem a chave da capacidade do Governo de Portugal. E ele tem que escolher entre a peste e a cólera". Quem pensa que o PSD pode escapar à responsabilização pela viabilização deste Orçamento, omitindo uma cerimónia conjunta ou guardando a fotografia da assinatura do acordo no telemóvel, que se desengane. Com a descredibilização total deste Governo tornou-se evidente, mesmo para a Europa, que o facto de o principal partido da oposição deixar passar uma proposta legislativa do Governo, o torna responsável, não apenas por essa proposta em concreto, mas principalmente pela continuação em funções deste Governo. Pense-se agora durante quanto tempo é sustentável essa situação. 

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publicado por Luís Menezes Leitão às 10:35

Taxed Enough Already.

Sexta-feira, 29.10.10

Conforme seria de esperar, depois das inevitáveis pressões externas, lá recomeçou o tango das negociações em torno do Orçamento de Estado. A ninguém interessa que o Orçamento seja péssimo e que esta equipa das Finanças não tenha já a mínima credibilidade para assegurar sequer a sua execução. Mas como irresponsavelmente se proibiu na Constituição o Presidente de dissolver a Assembleia nos últimos seis meses do seu mandato, é impossível neste momento refrescar a legitimidade política do Parlamento e do Governo. Daí que a tentação de deixar tudo no mesmo seja muito grande.

 

Devo dizer que fazer negociações com o Governo nesta altura me parece errado, porque tem por efeito co-responsabilizar o PSD por este orçamento. Estas negociações acabaram afinal por revelar que a diferença entre o PS e o PSD se resume a uns trocos nas deduções fiscais ou no IVA do leite com chocolate. Como é que o PSD, depois do discurso no Pontal em que proclamou não aceitar aumentos de impostos, pode afinal depois limitar a sua divergência a questões menores? Este Orçamento vai ter uma redução drástica dos salários dos funcionários públicos, o estabelecimento de um tecto máximo para as deduções com despesas de saúde, o aumento brutal das taxas do IRS e o do IVA, e o congelamento das reformas, mas estas medidas não merecem uma única crítica do principal partido da oposição, parecendo considerar-se normal que o Estado trate assim os seus cidadãos.

 

Nesta proposta de Orçamento, o Estado não demonstra qualquer controlo na sua despesa, insistindo em obras faraónicas, parcerias público-privadas, institutos públicos inúteis (salvo os já extintos) e outros gastos desnecessários. Ao contrário do que tem sido dito, toda a consolidação orçamental se está a fazer essencialmente por via da receita, e especialmente a partir do aumento do IVA, o que terá consequências económicas drásticas. Já as propugnadas reduções de despesa são meramente aparentes. A redução de salários é absolutamente equivalente a um  imposto sobre os rendimentos de trabalho dos funcionários públicos. A redução da despesa fiscal não passa de uma eliminação da personalização do IRS, fazendo os doentes pagar imposto mesmo quando não têm rendimento disponível. E por aí adiante.

 

Não deveria, pelo contrário, o Estado reduzir a sua dimensão em ordem a evitar este brutal aumento de encargos aos cidadãos? Estaremos condenados a viver num país em défice permanente, que necessita para sobreviver de se endividar no exterior, cada vez a juros mais altos? Há quantos anos é que Portugal não tem um orçamento equilibrado? É bom que as pessoas percebam que, a continuarmos assim, iremos de PEC em PEC numa espiral de endividamento e tributação, uma vez que a dívida de hoje são os impostos de amanhã.

 

Mas, para além do inevitável acordo com o PSD, choca-me a passividade do Presidente da República, que aliás tinha em tempos idos escrito um artigo a qualificar este Estado despesista como "o Monstro". Se bem me lembro, Cavaco fez neste mandato três comunicações ao país, uma sobre o Estatuto dos Açores, outra sobre a segurança informática dos seus computadores, e uma última sobre o casamento homossexual. Mas perante as evidentes dúvidas de constitucionalidade das medidas do PEC 2, que aumentou retroactivamente as taxas do IRS, preferiu solicitar apenas uma fiscalização sucessiva do diploma, colocando a questão no limbo. É provavelmente o que irá acontecer também com as evidentes suspeitas de inconstitucionalidade do Orçamento para 2011, pelo menos no que respeita à redução de salários. E aí pode perguntar-se por que há-de estar empenhado o Parlamento numa revisão constitucional, quando pelo menos em matéria fiscal a Constituição é completamente esquecida.

 

Devo dizer, por isso, que compreendo perfeitamente o sucesso da mensagem simples do Tea Party americano: Cumpra-se a Constituição, reduza-se o peso do Estado e alivie-se a carga fiscal dos contribuintes, que já são suficientemente tributados. Taxed enough already! Da minha parte também estou disposto a renunciar a isto tudo. Não vejo é que o Orçamento do Estado para 2011 aponte nesse sentido.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 18:28

O beco sem saída do PSD.

Sexta-feira, 15.10.10

A estratégia política do PSD nos últimos tempos tem revelado um enorme desnorte e conduziu o partido a uma situação que não tem paralelo na sua história recente. Deixe ou não deixe passar o Orçamento, neste momento o PSD perde sempre aos olhos dos portugueses, e comprometeu seriamente as suas hipóteses de chegar ao poder nos tempos mais próximos.

 

Conforme aqui escrevi em Maio passado, o maior erro que o PSD cometeu nos últimos tempos foi a viabilização do PEC II. Nessa altura, já era evidente o descontrolo das contas públicas, pelo que havia toda a justificação para derrubar o Governo e solicitar novas eleições, que o Presidente ainda poderia convocar. Passos Coelho tinha na altura sondagens altamente favoráveis, pelo que tinha todas as condições para fazer uma campanha eleitoral responsabilizando o Governo pela situação a que tinha deixado chegar o país. Não seria nada diferente do que fez Cavaco Silva em 1985, quando não hesitou em derrubar o Governo, mal assumiu a liderança do PSD. Em política, assumir riscos compensa. Audaces fortuna juvat. Se Passos Coelho o tivesse feito, seria hoje Primeiro-Ministro.

 

Passos Coelho preferiu, no entanto, optar pelo calculismo político e, apesar de um ridículo pedido de desculpas, aceitou dar a mão ao Governo, avalizando a sua política. Ora, ser transformado em muleta de um Governo é a pior coisa que pode acontecer a um partido da oposição. Será sempre responsabilizado depois pelo fracasso desse Governo, sem que venha a beneficiar minimamente se ele tiver sucesso. Pelo meio, o PSD resolveu entrar num debate esotérico sobre a revisão constitucional, que só serviu para dar uma imagem de distanciamento das preocupações reais do país, permitindo ao Governo escapar mais uma vez à sua responsabilidade pelo descontrolo das contas públicas.

 

Começando a perceber a armadilha em que tinha caído, Passos Coelho ensaiou então uma fuga para a frente no discurso do Pontal, pondo condições mínimas para viabilizar o orçamento, no intuito de começar a distanciar-se do Governo e livrar-se do qualificativo de "parceiro de tango", como lhe chamou Sócrates. O Governo, no entanto, percebeu a estratégia e não só não aceitou as suas condições, como prometeu que se demitiria se o orçamento fosse rejeitado. Teve, no entanto, a esperteza de esperar pela altura em que a Assembleia já não podia ser dissolvida e de fazer essa ameaça em Nova Iorque, o que naturalmente agravou ainda mais a imagem externa do país perante os credores. Como era evidente que a situação económica se agravaria consideravelmente com um Governo demitido em gestão durante oito meses, passou a ser Passos Coelho a ficar com o ónus de não deixar agravar ainda mais a situação do país.

 

Tendo sido manifestamente encurralado numa situação que não desejava, Passos Coelho deveria ter saído dela imediatamente, declarando se viabilizava ou não o orçamento. Foi, aliás, o que fizeram os outros partidos da oposição. Hesitou, no entanto, proferindo declarações contraditórias, e dando uma imagem de indecisão, que é fatal para um líder político. Em consequência, assistimos depois a uma patética série de apelos de notáveis, nacionais e estrangeiros, ao "sentido de responsabilidade" de Passos Coelho. Aí se incluiu um encontro com banqueiros na sede do PSD, o que constitui um erro político gravíssimo, pois transmite ao exterior a imagem de que o PSD é influenciável pelo poder económico.

 

Em resultado disto, faça o que fizer o PSD na votação do orçamento, será sempre o grande perdedor dessa votação. Se deixar passar o orçamento, será acusado de ter cedido aos apelos da plutocracia e de ser insensível perante as medidas altamente gravosas para os cidadãos que o orçamento contém, algumas das quais mesmo inconstitucionais. Se rejeitar o orçamento, será acusado de ter causado a bancarrota do país. Estamos como naquele célebre adágio brasileiro: "se fugir o bicho pega, se ficar o bicho come". Eu só me pergunto é como foi possível termos sido arrastados para esta situação.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 16:57

O avalista dos PEC.

Quinta-feira, 30.09.10

Estas declarações de Passos Coelho confirmam o que sempre pensei: que o PSD acabará por viabilizar o Orçamento para 2011. Efectivamente, quem se atirou de cabeça para o disparate que foi a viabilização do PEC 2 assumiu definitivamente o papel de avalista dos PEC, que é uma qualidade da qual não se sai com facilidade. O PSD bem pode protestar publicamente contra as medidas anunciadas pelo Governo, mas enquanto todos os outros partidos da oposição já declararam ir votar contra o orçamento, as declarações do PSD são absolutamente contemporizadoras e deixam antever a sua abstenção no Orçamento.

 

Está agora em exibição em Lisboa o filme Wall Street - Money Never Sleeps, de Oliver Stone. Nesse filme há duas afirmações que me parecem emblemáticas da situação que estamos a atravessar. Uma delas diz que a irracionalidade pode ser definida como a repetição constante do mesmo comportamento, esperando que alguma vez ele leve a um resultado diferente. Outra diz que emprestar cada vez mais dinheiro a um sobreendividado é colocá-lo em situação de risco moral, uma vez que ele continuará sempre a gastar acima das suas possibilidades.

 

Este constante apoio do PSD aos PEC deste Governo é tipicamente um comportamento irracional. Efectivamente, não estou a ver que os mesmos protagonistas que deixaram o défice chegar a 9,3% do PIB tenham a mínima capacidade para o ir agora reduzir, apesar dos sacrifícios que pedem aos cidadãos. Especialmente quando continuam a insistir no TGV e no novo aeroporto de Lisboa. As novas receitas fiscais só servirão assim para continuar a estimular os gastos desnecessários no sector público.

 

Será portanto de esperar que depois do PEC 3 venham aí os PEC 4, PEC 5 e se calhar até o PEC 10, todos eles viabilizados pelo PSD. Algum dia chegará, no entanto em que alguém terá que dizer "basta" em relação a isto. Ser "silent partner" do Governo não é propriamente a melhor forma de fazer oposição. Por muito que os outros elogiem o "sentido de responsabilidade".

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publicado por Luís Menezes Leitão às 16:23

...

Terça-feira, 28.09.10

Confesso que neste momento acho Portugal um país completamente às avessas, sendo difícil alguma racionalidade nas discussões a que todos os dias assistimos. Em lugar em de se analisar friamente os problemas, montam-se autênticas encenações mediáticas, e lançam-se para o espaço público justificações que parece que pretendem tomar os outros por parvos.

 

Um exemplo do que estou a falar é a encenação montada a propósito do relatório da OCDE. Qualquer pessoa com algum conhecimento nesta área sabe que os relatórios da OCDE são estudos técnicos elaborados em concertação com os Governos, e que servem muitas vezes de argumentário aos Governos. Não há nada que estranhar neste âmbito. Quando Cavaco Silva era Primeiro-Ministro e o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a sua proposta de reforma laboral, ele também fez uma comunicação ao País a justificar essa proposta com um relatório da OCDE a exigir maior flexibilidade laboral em Portugal, que exibiu na televisão. Não são de estranhar por isso as suas declarações de louvor à OCDE. O Tribunal Constitucional da altura é que se esteve nas tintas para o relatório e não deixou de declarar essa reforma laboral como inconstitucional. Como se vê, as posições da OCDE são recomendações aos Estados que têm o valor que estes decidirem atribuir-lhe.

 

O que já é, porém, completamente inédito é o titular de um alto cargo da OCDE deslocar-se a um Estado-Membro, efectuando uma forte pressão sobre o líder da oposição no sentido de este aprovar o Orçamento. Trata-se de uma claríssima ingerência nos assuntos internos de um País soberano e duvido que em algum outro Estado-Membro essa atitude fosse recebida com a brandura com que foi em Portugal. E devo dizer que me parece essa atitude contraproducente, pois a reacção natural a tomar é haver ainda mais intransigência na negociação do Orçamento de Estado. Não é com encenações mediáticas que se resolvem as divergências, mas sim através de negociações sérias.

 

Outro exemplo de encenação mediática é o facto de o Presidente ter chamado os partidos a Belém, tentando que se entendessem sobre o Orçamento de Estado. Como o Presidente não tem constitucionalmente qualquer competência nesta matéria, não se percebe o sentido útil da convocatória. O que me espanta é que não haja nenhum líder partidário a dizer o que se impõe: o Orçamento é uma competência da Assembleia e só deve ser discutido na Assembleia, não na Presidência da República. Se o Senhor Presidente está preocupado com a sua eventual não aprovação, dirija uma mensagem à Assembleia, apelando a essa aprovação. Agora, o respeito pelas competências do Parlamento deve evitar que este assunto seja discutido noutro órgão de soberania. Mas, pelos vistos, os líderes partidários não têm esse respeito pelo Parlamento.

 

Aliás, uma demonstração do descrédito do Parlamento é a iniciativa de alguns deputados do PSD aqui denunciada, de criar um instituto público para "a promoção e valorização dos bordados do Tibaldinho", naturalmente a financiar através das transferências do Orçamento de Estado. Os deputados não têm consciência da situação dramática que o País atravessa para proporem a utilização de fundos públicos para fins deste tipo? E dizem o emissário da OCDE e o Ministro das Finanças que não há espaço para cortar na despesa. Aposto que qualquer cidadão comum com uma tesoura na mão encontraria inúmeros institutos públicos, empresas municipais, observatórios e quejandos criados para tratar de assuntos tão relevantes como os bordados do Tibaldinho. É só começar.

 

Mas ninguém faz uma discussão séria, baseada em estudos credíveis, e às mais vezes no mais elementar bom senso, para resolver os problemas. O debate faz-se no espaço mediático, em que, em lugar de argumentos sérios, se apresentam observações ridículas. Um exemplo do que estou a referir é este post de Vital Moreira que estranha haver tanta gente a indignar-se contra a eliminação das deduções fiscais. E pergunta "onde está a voz daqueles que, por terem baixos rendimentos e não pagarem IRS, nem sequer podem descontar fiscalmente a consulta num dentista ou a sua parte nos medicamentos de que necessitam?". É a realidade de pernas para o ar. As deduções fiscais, que são abatimentos ao imposto, são injustas porque não abrangem os que não pagam imposto. E que estranho os que não pagam qualquer imposto não se queixarem por os outros, com as deduções fiscais, pagarem um pouco menos de imposto. Mas o nosso querido Governo, com o apoio de Vital Moreira, já vai corrigir essa grande injustiça. Os que pagam um pouco menos de imposto vão passar a pagar a totalidade, que é para não se armarem em privilegiados. Já os que não pagam nada de IRS também vão passar a pagar, pois também não é justo que ainda tenham dinheiro para gastar em dentistas e medicamentos. O que é justo é o Estado arranjar mais dinheiro para gastar à tripa forra.

 

Acho que seria mais lógico o Governo e os seus apoiantes dizerem o seguinte: Infelizmente estoirámos todo o dinheiro e precisamos de arranjar mais algum para continuar a estoirar. Por esse motivo, vamos fazer de Xerife de Nottingham e sacar impiedosamente ainda mais impostos a todos os que encontrarmos pelo caminho, independentemente das suas necessidades e estado de saúde. A justificação tinha o mesmo valor que aquela que tem sido apresentada para eliminar as deduções fiscais. Mas pelo menos tinha a vantagem de não procurar fazer de nós parvos.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 17:02

Os doentes que paguem a crise III

Domingo, 26.09.10

Vital Moreira continua na sua defesa implacável da fúria fiscal deste Governo que, para satisfazer a sua sede despesista, não hesita em atingir os mais desfavorecidos, no caso os doentes, eliminando a dedução fiscal das despesas de saúde. Agora, imagine-se, lembra-se de pedir uma declaração de interesses a todos os que estão contra esta voracidade fiscal, indicando o que pagam ou o que deduzem de impostos.

 

Claro que no caso de Vital Moreira não é preciso declaração de interesses nenhuma. Só espíritos maléficos poderiam pensar que a sua concordância absoluta com tudo o que o Governo PS propõe teria alguma coisa a ver com o facto de ter sido escolhido para liderar a lista do PS ao Parlamento Europeu e em consequência eleito deputado europeu, apesar de ter levado o PS nessas eleições à maior derrota eleitoral dos últimos anos. A propósito, os nossos deputados europeus também reduziram os seus principescos salários, à semelhança dos outros políticos nacionais, ou a crise não passa por eles?

 

Mas posso dar a Vital Moreira um exemplo das referidas pessoas com interesse próprio na não eliminação da dedução das despesas com a saúde. É que recebi cópia de um e-mail que uma associação que luta contra uma doença crónica altamente incapacitante enviou ao Governo e aos Grupos Parlamentares, protestando contra a proposta de eliminação dessas deduções. Desse e-mail retiro estas frases:

 

"Um cidadão “normal” não tem a necessidade de ter meios compensatórios e encargos adicionais que os doentes crónicos / deficientes têm no seu dia-a-dia (médico da especialidade, psiquiatra, fisioterapia, transportes, medicamentos, ajudas técnicas, cadeira de rodas, elevador, obras de adaptação, …)"

 

Na verdade, as pessoas que têm uma doença crónica / deficiência não se importariam de trocar os benefícios fiscais pela sua doença crónica / deficiência.

Este governo quer retirar benefícios fiscais a quem mais precisa? Onde está a verdadeira igualdade de oportunidades? Um cidadão dito “normal” que ganhe o mesmo que um doente crónico / deficiente tem as mesmas despesas de saúde, obras de adaptação e outras quejandas que a deficiência / doença crónica arrasta consigo?".

 

Aí está um bom exemplo do referido "interesse próprio" na não eliminação das deduções fiscais na saúde. Só me pergunto como é que é possível no séc. XXI a insensibilidade do Estado ser tão grande, que não hesita em obter mais receita fiscal à custa do sofrimento dos mais desfavorecidos. Um pouco mais de decência, sff. E de humanidade, já agora.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 20:05

Os doentes que paguem a crise II.

Segunda-feira, 06.09.10

O post que ontem aqui publiquei motivou esta reacção igualmente aqui citada. Uma vez que me é pedida uma explicação, não tenho qualquer problema em dá-la. O que me é perguntado é porque é que "um trabalhador com um ordenado mínimo que tenha, por exemplo, de recorrer ao crédito para fazer os mesmos tratamentos no mesmo serviço de saúde privado onde faz o mais bem sucedido recebe muito menos do Estado por via das deduções, um não deduz quase nada, o outro deduz cerca de 40%".

Começa por se salientar que um trabalhador que ganha o ordenado mínimo nada pagará de imposto, até pela isenção do mínimo de existência consagrada no art. 70º do Código do IRS. Precisamente por isso não terá que se preocupar com as deduções a apresentar ao Estado, enquanto tiver esse rendimento. Mas se por acaso no futuro aumentar de rendimento, os juros que que tiver que pagar nos anos subsequentes são deduzidos à colecta do imposto em 30% (art. 82º nº1 c) do Código do IRS).

Pelo contrário, quem esteja no escalão máximo do IRS e se veja obrigado a gastar tudo o que ganhou nesse ano em despesas de saúde, pode deduzir à colecta do IRS 30% do que gastou nessas despesas de saúde (art. 82º, nº1, a) do Código do IRS). Neste caso sofrerá já hoje uma penalização fiscal, uma vez que sendo a taxa máxima de IRS de 46,5% e percentagem de dedução à colecta das despesas de saúde de 30%, é manifesto que vai haver tributação em relação a um contribuinte que não teve qualquer rendimento disponível.

Imaginemos agora que se aceitava o que o Governo propõe e se fixava um tecto, por exemplo de 1000 euros, à dedução de despesas de saúde. O segundo contribuinte levaria nesse ano seguramente com uma execução fiscal e teria que declarar insolvência, pois embora tivesse gasto todo o seu rendimento disponível na melhoria da sua saúde, o Estado só lhe aceitaria que deduzisse €1000 aos seus impostos. Mas o primeiro contribuinte também não ficaria em melhor estado, uma vez que, tendo-se endividado para toda a vida para melhorar a sua saúde também só poderia deduzir € 1000 à colecta do seu imposto em relação aos juros dessa dívida, enquanto que hoje pode deduzir 30% sem qualquer limite.

Em conclusão, a fixação de um tecto às deduções fiscais com despesas de saúde não é justa para nenhum contribuinte, e apenas serve para obter receita à custa daqueles que o Estado deveria proteger, e que são precisamente os doentes. Se isto não é fazer os doentes pagar a crise, não sei o que seja.

É muito fácil acusar os outros de demagogia. Só pergunto como deve ser qualificado o comportamento eleitoral de um partido, que teve na campanha eleitoral como uma das principais bandeiras a manutenção das deduções fiscais, criticando os seus adversários por as pretenderem eliminar, e apresenta essa proposta logo que regressa ao governo. Se isto não é enganar os eleitores, também não sei o que o seja.

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publicado por Luís Menezes Leitão às 17:57





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